quarta-feira, 17 de agosto de 2011

26 - Roma

1. Periodização da história de  Roma

 A história de Roma Antiga costuma ser dividida em três períodos baseados em critérios políticos: a Realeza (753-509 aC), fase do nascimento de Roma e de seus primórdios como uma cidade-estado latina, sob forte influência dos etruscos; a República (509-27 aC), fase do apogeu da cidade-estado romana e da sua expansão territorial, estabelecendo um grande império; e o Império (27 aC-476 dC), fase da transformação do Estado romano em uma nova monarquia controlando um imenso território e da cristianização da cultura romana.

2. A República (509-27 aC)

 No final do século VI aC, a aristocracia romana (patrícios) derrubou a monarquia e instalou uma república oligárquica governada por dois cônsules eleitos. A principal instituição política, entretanto, era o Senado (Conselho), dominado pelos chefes das famílias mais poderosas, que controlavam também uma ampla clientela (os clientes eram cidadãos dependentes da ajuda econômica e jurídica dos patronos, indivíduos ricos e influentes).  No séculos V aC, a legislação republicana assegurou aos patrícios o monopólio dos cargos políticos.

As lutas entre patrícios e plebeus (494-287 aC). A exclusão dos plebeus (cidadãos não-patrícios) do poder político, em um contexto de crescimento da população e da escravidão por dívidas, resultou em uma série de conflitos entre a plebe e o patriciado. Gradualmente, os patrícios aceitaram fazer concessões: leis escritas (Lei das XII Tábuas, 450 aC), permissão de casamentos entre patrícios e plebeus (Lei Canuléua, 445 aC), fim da escravidão por dívidas e isonomia, mas Roma continuou sendo uma oligarquia dominada pelo Senado (nobreza senatorial, composta pela fusão entre famílias patrícias e plebéias ricas).

A expansão territorial romana (séculos V-I aC). A expansão territorial romana transformou Roma na capital do mais famoso império da história. A expansão foi motivada por um conjunto de fatores econômicos e políticos: a busca de terras, pilhagens e escravos; a procura do controle de vias estratégicas e comerciais; as disputas pela hegemonia com os Estados rivais; e as guerras preventivas de defesa, implicando em destruir e conquistar um rival que ameaçava ou poderia ameaçar Roma. O momento mais famoso e decisivo da expansão imperialista romana foram as Guerras Púnicas (264-146 aC), quando Roma conquistou o império de Cartago (Noroeste da África e Península Ibérica) e dominou o Mediterrâneo Ocidental. Nos séculos II-I aC, os romanos incorporaram o Mediterrâneo Oriental (incluindo a Grécia) e a Gália (França) ao seu império. O Mar Mediterrâneo foi transformado em um “mar romano”(mare nostrum). Apesar das pilhagens, as conquistas romanas estimularam o crescimento da população, do comércio e das cidades e a formação de latifúndios. Uma nova elite de cidadãos enriquecidos (“homens novos” ou cavaleiros) surgiu, desafiando o poder da nobreza senatorial. Contudo, a escravidão também aumentou (prisioneiros de guerra) e as exigências de prestação de serviço militar dos camponeses pequenos proprietários arruinaram essa camada social (até o século II aC, o serviço militar não era remunerado). O êxodo rural intensificou-se e uma nova categoria de cidadãos foi formada – o proletariado (cidadãos sem renda).

A crise da República (séculos II-I aC). Em 135-30 aC, em meio às as conquistas territoriais, a República romana mergulhou em uma crise social e política. O regime republicano tinha ficado inadequado para governar o império que ele próprio havia criado. A aristocracia dividiu-se em facções rivais que passaram a disputar o poder de forma cada vez mais violenta. O exército, originalmente composto por uma milícia de cidadãos-soldados auto-equipados, transformou-se em uma força profissional permanente, comandada por políticos ambiciosos (os “políticos generais”) que estabeleceram relações de clientelismo com suas tropas, pagas com as riquezas obtidas nas conquistas. O crescimento da escravidão foi acompanhado por revoltas de escravos. A plebe aumentou a pressão por reforma agrária, e muitos políticos viram na promessa de distribuição de terras um meio de conseguir apoio para suas carreiras.

Primeira Guerra Servil (135-132 aC). Foi a primeira grande revolta de escravos da história romana. Ocorrida na Sicília, a rebelião foi sufocada pelos romanos, mas gerou um clima de insegurança em Roma.

O movimento de reforma agrária (133-121 aC). Os cidadãos descontentes passaram a exigir uma redistribuição de terras. Os tribunos (defensores) da plebe, Tibério e Caio Graco, lideraram um movimento de reforma agrária que, no entanto, fracassou diante da resistência da nobreza (assassinato dos irmãos Graco). Como alternativa, a classe política romana adotou a política do pão e circo – a distribuição pelo governo e pelos políticos de comida e diversão (jogos, lutas, espetáculos) baratas ou gratuitas para a plebe urbana, sobretudo o proletariado.

As guerras civis (87-30 aC). A ascensão dos políticos-generais deixou o Senado enfraquecido. As disputas pelo poder entre os generais, apoiados por facções rivais de senadores, desencadearam guerras civis. Homens novos foram envolvidos e o proletariado urbano mobilizado com o pão e circo. Os primeiros conflitos armados foram entre Mário e Sila (87-79 aC), com o último, representante da nobreza senatorial mais conservadora, prevalecendo. Quando a situação parecia estar estabilizada, estourou a maior rebelião de escravos da história romana – a revolta de Spartacus (um gladiador) ou Segunda Guerra Civil, em 73-71 aC, também sufocada. Os políticos-generais tentaram dividir o poder entre si e estabeleceram os triunviratos. O Primeiro Triunvirato (60-53 aC) foi composto por Pompeu, Crasso e Júlio César. Mas depois da morte de Crasso (53 aC), a rivalidade entre Pompeu e Júlio César desencadeou uma nova guerra civil (49-45 aC), vencida por César. Júlio César instalou uma ditadura com apoio popular e tentou centralizar o poder, mas foi assassinado por senadores conservadores (44 aC). Um Segundo Triunvirato foi formado pelos cesaristas Marco Antônio, Otávio (sobrinho e herdeiro de César) e Lépido em 43-36 aC, mas fracassou em assegurar uma nova ordem política. Lépido foi afastado do poder, que foi disputado por Otávio e Marco Antônio, na última e mais importante guerra civil da República (32-31 aC). Otávio, controlando as partes ocidentais do império romano, contou com apoio do Senado e apresentou-se como defensor da República. Marco Antonio e sua aliada, a rainha Cleópatra VII do Egito, dominavam o Oriente, representando as tradições helenísticas. Otávio venceu os rivais (que suicidaram) e conquistou o Egito, encerrando a guerra civil. Com sua vitória, Otávio adquiriu um enorme prestígio e riqueza (tomou o tesouro de Cleópatra VII) e ampliou o seu poder sobre Roma, governando-a por mais de quatro décadas. Oficialmente considerado o restaurador e pacificador da República, Otávio, na prática, sepultou o regime republicano tradicional e inaugurou uma nova era da política romana – a era dos imperadores.

3. O Império Romano (27 aC – 476 dC)

O Império ou governo dos imperadores (27 ac – 476 dC), inaugurado por Otávio, representou uma nova fase da história de Roma antiga. A estrutura política ficou centralizada e assumiu feições monárquicas autoritárias. A burocracia foi ampliada e as despesas militares cresceram, não só pela necessidade de novas conquistas mas, principalmente, para defender as fronteiras imperiais. O cristianismo nasceu no Império, propagou-se e acabou sendo adotado como religião oficial dos romanos.

3.1 O Alto Império (séculos I-II)

O Alto Império foi o período do apogeu do Império Romano e da civilização clássica pagã, caracterizado pela a Pax Romana (relativa paz interna com poucas disputas violentas pelo poder) e pela prosperidade econômica assentada na exploração de escravos. As cidades floresceram e os contatos comerciais com o Oriente cresceram, desenvolvendo-se a Rota da Seda e das especiarias que ligaram o Mediterrâneo à Índia e China, passando por vários intermediários na Ásia Central. As conquistas territoriais cessaram no século II, quando o Império alcançou a sua máxima extensão. O governo imperial, ainda que centralizado, preservou uma aparência republicana e ficou conhecido como principado.

a) Governo de Otávio Augusto (30 aC – 14 dC)

Com apoio do exército, do Senado e do povo, Otávio acumulou títulos e cargos, entre eles o de imperador (“comandante vitorioso”), Augusto (“divino”; com o tempo, Otávio passou a ser chamado apenas de Augusto, como se fosse um nome próprio), Príncipe (“primeiro entre iguais” ou “o primeiro dos cidadãos”, título recebido em 27 aC, inaugurando oficialmente o Principado), César (em homenagem ao seu tio Júlio César) e Sumo Pontífice ou Pontífice Máximo (supremo sacerdote de Roma). De Otávio (Augusto) em diante, os governantes de Roma foram chamados de imperadores e césares.

b) A religião pagã romana

 “Paganismo” é a designação dada pelo cristianismo a todas as religiões pré-cristãs politeístas (crença na existência de várias divindades), dualistas (crença na existência de dois princípios divinos opostos e adversários) e animistas (crença na existência de espíritos que animam a natureza e os fenômenos naturais). Em Roma, a religião pagã era politeísta, com vestígios de um antigo animismo de tempos primitivos. Vários de seus deuses – quase todos cultuados nas outras cidades latinas e alguns entre os etruscos – foram identificados às principais divindades gregas. Os sacerdotes eram funcionários do Estado (destacando-se o pontifex maximus, o “sumo pontífice”, eleito desde o século III aC), mas os principais magistrados também eram responsáveis por algumas cerimônias e atos religiosos.

Com o advento do Império, o culto do imperador foi estabelecido. Inicialmente, o imperador era visto como protetor de Roma, presenteando os romanos com a segurança e a ordem. Depois de sua morte, ele era deificado. Com o tempo, o imperador passou a ser tratado como divindade durante sua vida.

c) As religiões de mistério

           As antigas religiões de mistério eram religiões que ofereciam experiências individuais e de salvação que os cultos públicos oficiais não ofereciam (sentido da vida, questão da origem do universo, segredos do ciclo da vida e da morte, em geral, associados à idéia de renascimento). Elas tinham origem grega e oriental, como o culto do deus Dionísio ou Baco (daGrécia), da deusa Cibele ou Magna Mater, a Grande Deusa Mãe (da Anatólia), o culto do deus Sol (da Síria), o culto da deusa Ísis (do Egito) e o culto do deus Mitra (da Pérsia). Esses cultos tinham uma forte tendência ao henoteísmo: adoração de uma única divindade, considerada suprema, sem negar a existência de outros deuses.

d) Surgimento e propagação do cristianismo

          Das religiões de salvação propagadas no Império Romano a mais bem-sucedida foi o cristianismo, uma religião monoteísta derivada do judaísmo e centrada na figura de Jesus de Nazaré ou Jesus Cristo (6 ou 4 aC – 29 ou 33 dC), que pregou na Galiléia e na Judéia, regiões da Palestina sob controle romano. No reinado de Tibério, Jesus foi crucificado em Jerusalém por ordem dos romanos a pedido dos sacerdotes judeus, que o consideraram um blasfemador e uma ameaça à ordem local.

Antecedentes: o judaísmo. O judaísmo costuma ser considerado a primeira religião monoteísta da história. O conjunto dos seus principais textos religiosos constitui o Tanakh que, com variações, corresponde ao Antigo Testamento da Bíblia cristã. As origens mais remotas do judaísmo encontram-se no culto a Javé ou Iavé (YHWH), criado pelos israelitas (agrupamento tribal de hebreus) no II milênio aC, na Palestina. A tradição judaica afirma que o culto foi estabelecido por Abraão, líder ou patriarca considerado o ancestral dos israelitas, dos ismaelitas (antepassados dos árabes) e de diversos outros povos de língua semita do Sinai, da Palestina, da Jordânia e da Península Arábica. A essência do culto javista foi o pacto ou aliança sagrada entre Deus (Javé) e Israel (a nação ou conjunto dos israelitas). Em troca de uma rigorosa obediência a Deus (suas Leis ou instruções divinas, sendo o monoteísmo a mais importante delas), os israelitas receberiam sua proteção e um território (a Terra Prometida, identificada com Canaã, atual Palestina). O javismo foi o principal fator de unidade e identificação étnica dos israelitas: Javé virou o deus nacional de Israel e os israelitas o povo escolhido ou eleito por Deus. Por volta do ano 1000 aC, Jerusalém virou a capital do antigo Estado de Israel, adquirindo um caráter de cidade sagrada, sobretudo com a construção de um grande templo pelo rei Salomão. No primeiro milênio aC, o javismo passou por diversas adaptações, acompanhando as vicissitudes políticas do Estado israelita. No século X aC, os israelitas ficaram divididos em dois reinos: Israel no norte (capital Samaria) e Judá no sul (capital Jerusalém). Os assírios destruíram Israel no século VIII aC. Judá sobreviveu precariamente por mais dois séculos, transformando-se no principal herdeiro das tradições monoteístas do javismo. O termo judeu, inicialmente referente ao habitante de Judá, passou a ser sinônimo do seguidor do monoteísmo javista. No século VI aC, os babilônios conquistaram Judá e destruíram o templo de Jerusalém. Muitos judeus foram enviados para a Babilônia (o “Cativeiro da Babilônia”), mas uma parte deles retornou a Jerusalém, em 538 aC, depois que os persas conquistaram o império babilônico. Foi no retorno do exílio que ocorreu uma grande renovação religiosa, levando o javismo a se transformar no judaísmo – a religião monoteísta da Lei ou Torá (a lei sagrada vista como dádiva de Deus), baseada nos livros do Tanakh. De acordo com o judaísmo, toda a vida do povo judeu é determinada pela Lei que, sendo rigorosamente seguida, permitirá a salvação. Seu conhecimento, exposição e interpretação passou a ser feita nas sinagogas. O Templo foi parcialmente reconstruído e seu sumo-sacerdote virou o líder religioso da comunidade judaica. No período helenístico, os judeus conseguiram recuperar por breve tempo sua soberania, até serem dominados pelos romanos no século I aC. A dominação estrangeira (persa, greco-macedônica e romana) gerou uma profunda crise espiritual entre os judeus, divididos em facções religiosas. Nesse contexto ganhou força a idéia da vinda de um Salvador divino – um rei ungido (messias), descendente de Davi, o mais popular monarca da antiga monarquia israelita unificada. Esse Salvador libertaria os judeus da dominação estrangeira e restauraria a glória de Israel.

A doutrina cristã. Os cristãos acreditam que Jesus ressucitou e ascendeu aos céus, junto de Deus, como apresentado no Novo Testamento, a principal fonte da doutrina cristã. A crença de que Jesus era divino, que morreu para salvar a humanidade de seus pecados e que ressucitou virou o aspecto central da doutrina cristã.
Jesus pregou entre os judeus que, por seu intermédio, o Reino de Deus ou Reino dos Céus estava começando no mundo, um reino divino que iria libertar os homens da dor e da miséria terrenas. Era fundamental acreditar nisso e, portanto, arrepender-se dos pecados e amar ao próximo. Para os fiéis, a morte de Jesus não invalidou a sua mensagem, mas revelou que a conclusão da instalação do Reino de Deus ocorreria com a parúsia – a segunda vinda de Cristo a terra, em um futuro próximo. De fato, a maioria dos cristãos considera Jesus a encarnação de Deus, que veio ao mundo para salvar a humanidade do pecado, sacrificando sua vida por ela. A sua ressurreição confirmaria seu caráter divino e demonstraria, para os crentes, a possibilidade de renascer do pecado – a libertação ou salvação espiritual. Daí Jesus ser chamado de Cristo ou Messias (o “ungido”), Salvador e Filho de Deus. Essa mensagem de fé – a “boa nova” ou evangelho – precisava ser transmitida para toda a humanidade, transformando o cristianismo em uma religião missionária marcada por um forte proselitismo (atividade de converter as pessoas a uma religião). Embora Jesus tenha enfatizado mais a salvação dos judeus do que a dos gentios (os não-judeus), não os excluiu totalmente do Reino de Deus. Na verdade, foi a partir da obra e das ações de Saulo de Tarso ou Paulo (5-68), que destacou a importância da morte e ressurreição de Jesus para a salvação da humanidade, que o cristianismo assumiu um caráter mais universalista, voltado para a evangelização dos gentios.

A igreja. Os cristãos organizaram-se em uma comunidade ou assembléia (eclésia ou igreja) de fiéis, inicialmente restrita a Jerusalém. Na medida em que o cristianismo se espalhou pelo Império Romano, facilitado pela Pax Romana, diversas comunidades ou igrejas foram sendo constituídas, principalmente nas cidades (até o final da Antiguidade, o cristianismo foi mais uma religião urbana do que rural). As mais importantes foram as de Roma, Alexandria e Antioquia que passaram a liderar as comunidades cristãs em escala regional. Naturalmente, a igreja de Roma reivindicou a hegemonia sobre as demais pelo fato de estar sediada na capital do Império e por ter sido fundada , segundo a tradição cristã, por Pedro – o discípulo que foi considerado herdeiro da liderança de Jesus. As igrejas eram chefiadas pelos bispos e com o seu crescimento passaram a possuir uma hierarquia de sacerdotes – o clero sacerdotal.

As relações dos cristãos com o Império. No Alto Império, a expansão do cristianismo acabou provocando atitudes hostis por parte não só do governo romano, mas da própria população pagã. As razões disso estão no fato dos cristãos recusarem a fazer sacrifícios às divindades romanas e não reconheceram o caráter divino dos imperadores (fato mais acentuado do século II em diante). Esse comportamento dos cristãos passou a ser visto com desconfiança e foi considerado responsável por algumas catástrofes (incêndios, epidemias etc), às vezes atribuídas à cólera dos deuses. Diante disso, os cristãos começaram a ser perseguidos, presos e executados em público. A primeira perseguição ocorreu no reinado de Nero, em 64 e continuou de forma esporádica até o Baixo Império, quando as repressões anticristãs mais extensas e violentas foram desencadeadas.

3.2 O Baixo Império (séculos III-V)

O Baixo Império foi o período da decadência econômica e militar de Roma e da transformação da civilização clássica greco-romana. O cristianismo continuou a expandir-se e foi adotado pelo Estado como religião oficial do Império Romano. As guerras civis retornaram (disputas pelo cargo imperial) e tornaram-se frequentes. A decadência econômica foi mais intensa na parte ocidental do império e contribuiu para o enfraquecimento das defesas daqueles territórios contra os ataques bárbaros. Até meados do século IV, o exército romano estacionado no Ocidente era superior ao do Oriente, mas a partir da década de 370 ele passou por uma significativa deterioração, com a crescente incorporação de mercenários bárbaros às suas fileiras (a “barbarização” do exército) – uma prática que foi mais reduzida nos exércitos romanos do Oriente. No início do século V, as defesas do Ocidente foram incapazes de deter os invasores bárbaros germanos ou expulsá-los do império. Em 476, o que restava do Império Romano no Ocidente desapareceu sob as investidas bárbaras (a famosa “queda de Roma”).

Muitos historiadores empregam o termo Antigüidade Tardia para o período que vai do século III ao século VII, considerando-o como a época de uma civilização original distinta do mundo clássico. Esses historiadores são contra a aplicação do termo “decadência” sobre esse período e preferem vê-lo como uma fase de transformação profunda nas estruturas econômicas, sociais, políticas e culturais da antiga civilização clássica, uma época que representou a transição para a Alta Idade Média (situada por eles em 700-1000) e para o feudalismo na Europa.

a) A crise do século III

Considera-se que o Império Romano começou a declinar a partir da crise do século III, associada ao alto custo da manutenção de um grande exército, (exigindo impostos elevados que sobrecarregaram as camadas médias e baixas, prejuducaram o comércio e levaram as cidades ao declínio) e ao esgotamento do escravismo (diminuição do número de escravos com o fim das conquistas territoriais). A crise foi caracterizada por guerras civis na disputa pelo trono imperial, escassez, revoltas populares no meio rural e perda de províncias. Entre as conseqüências da crise do século III, destacam-se:

O declínio demográfico. Por causa das constantes epidemias, da fome, da guerra civil e dos ataques bárbaros. A população do Império, que era de 46 milhões de pessoas no ano 200, caiu para 36 milhões em 400. Isso reduziu a mão-de-obra, contribuindo para a queda da produção.

A transformação da sociedade. Empobrecimento dos pequenos proprietários e das camadas médias urbanas; fortalecimento da aristocracia rural, dona dos latifúndios e villas; desenvolvimento do colonato, o trabalho de camponeses nos latifúndios em troca de parte da produção (sistema de arrendamento na base de meação). Com o tempo os colonos ficaram presos a terra, tornando-se trabalhadores semilivres, e muitos escravos transformaram-se em colonos. Isso iniciou a transição da escravidão para a servidão.

O início da ruralização da economia. Fuga dos cidadãos das cidades em direção ao campo a procura de segurança ou de emprego, ou ainda para escapar da carga tributária; diminuição do comércio; crescimento da produção voltada para a subsistência.

Maior assimetria regional. Os problemas econômicos foram mais intensos nas regiões ocidentais do império. A parte oriental utilizava menos escravos e possuía cidades mais ricas, com um comércio e artesanato mais avançados

As reformas no final do século III recuperaram a autoridade central (governo de Diocleciano, 284-305, dividiu a administração imperial com outros três generais aliados, originando a tetrarquia). O governo ficou mais centralizado, despótico e burocratizado, originando o Dominado (monarquia absolutista do dominus, o novo título do imperador), mas o império começou a se dividir em duas unidades administrativas separadas (Ocidente e Oriente).

b) Reinado de Constantino I, o Grande (312-337)

Constantino foi um dos imperadores que assumiram o poder nas guerras civis do Baixo Império. Inicialmente (312-324), ele reinou como imperador do Ocidente, ocasião em que se aproximou dos cristãos. Em 313, Constantino e Licínio, imperador do Oriente, declararam a liberdade de culto para os cristãos por meio do Edito de Milão, que confirmou um antigo decreto de Galério (311), imperador do Oriente que antecedeu Licínio. A decisão de Constantino e de Licínio restabeleceu a tolerância religiosa em todo o império, mas não transformou o cristianismo na religião oficial e nem proibiu os demais cultos. Apesar disso, não resta dúvida que a decisão de Milão favoreceu a rápida expansão da fé cristã, que já crescia mesmo quando reprimida. O próprio Constantino parece ter se tornado cristão por volta dessa época, ainda que seguidor de um cristianismo sincrético (misturado com outras tradições religiosas, como a do Sol Invictus), a exemplo da maioria dos cristãos. De fato, Constantino patrocinou a construção de igrejas, embora tenha feito o mesmo com templos de outras religiões. A mãe de Constantino, a famosa Santa Helena (248-328), antiga seguidora do cristianismo, foi influente na corte do filho e certamente contribuiu para aproximar seu governo dos cristãos. Licínio, ao contrário, permaneceu pagão até o fim de sua vida.

Em 320, Licínio rompeu com os cristãos e passou a persegui-los. A tensão entre ele e Constantino voltou a crescer e a guerra civil foi retomada em 323. A luta contra Licínio assumiu feições de uma guerra santa. O exército de Constantino lutou sob o símbolo da cruz e com o grito de guerra “Deus Salvador”. Licínio foi derrotado por Constantino, que mandou executar o rival. Com sua vitória, aclamada pelos cristãos, Constantino reunificou o Império Romano (324) e recebeu o epíteto de Constantino I, o Grande.

Constantino foi um dos mais importantes imperadores romanos, adorado pelos cristãos, favorecidos ainda mais depois da reunificação do Império. A partir de seu reinado, o Estado envolveu-se gradualmente nas discussões teológicas do cristianismo e na organização da Igreja. Em 325, Constantino convocou o Concílio de Nicéia, uma assembléia extraordinária de bispos, para obter um consenso nas controvérsias sobre a natureza de Jesus. O concílio estabeleceu a divindade de Cristo, afirmando que o Filho era da mesma “substância” do Pai, e a crença no Espírito Santo. Constantino também foi responsável por uma importante decisão administrativa estratégica. Depois de reunificar o Império, ele instalou-se em Nicomédia, antiga capital do Oriente. Em 330, Constantino estabeleceu uma nova capital na cidade grega de Bizâncio – a Nova Roma ou Constantinopla – mantendo o centro do poder na parte oriental do Império Romano. No final de sua vida, Constantino foi batizado e morreu como o primeiro imperador romano cristão.

c) O governo de Teodósio I, o Grande (379-395)

 Imperador do Oriente em 379-392, Teodósio I foi o último imperador que reinou sobre todo o Império Romano unificado em 394-395. Batizado em 380, Teodósio I foi um cristão devotado. Em 381, convocou o Concílio de Constantinopla, que confirmou o credo niceniano e a idéia da Santíssima Trindade (a unidade do Pai, Filho e Espírito Santo). Os cristãos heréticos e os pagãos foram duramente perseguidos em seu reinado. Em 391, a intolerância religiosa aumentou: os templos pagãos foram fechados e o cristianismo foi transformado em religião oficial do Império Romano. Teodósio morreu em 395 e o Império foi dividido entre os seus dois filhos: Honório ficou com o Ocidente (capital em Ravena) e Arcádio com o Oriente.

3.3 O colapso do Império Romano do Ocidente (século V)

O Império Romano do Ocidente, mais pobre e fraco do que o Império do Oriente, não suportou os ataques bárbaros, sobretudo em um contexto de lutas internas pelo controle do trono imperial, que deixaram o exército ocidental dividido e enfraquecido. No final do século V, o Império Romano do Ocidente foi destruído (a “queda de Roma” em 476). O Império Romano do Oriente, mais rico, unido e forte, sobreviveu na Idade Média com o nome de Império Bizantino.

a) A invasão bárbara (séculos IV-VI)

Os romanos utilizavam a palavra bárbaro, herdado dos gregos, para denominar todos os povos que viviam fora das fronteiras do seu império, ou seja, os estrangeiros não assimilados pela civilização de Roma. Embora fosse aplicado também a povos de culturas sofisticadas e urbanas como os persas, o termo “bárbaro” acabou sendo mais usado em relação aos povos tribais da Europa Centro-Oriental, sobretudo aqueles que invadiram e destruíram o Império Romano Ocidental. Desses bárbaros que, entre os séculos IV e VI, atacaram e/ou ocuparam os territórios romanos no Ocidente, destacaram-se os hunos e, principalmente, os germanos.

b) Aspectos gerais dos germanos no século IV

 Os germanos eram originários da Escandinávia. Nos séculos III-II aC migraram para a Europa Central e Oriental, chegando a ocupar o sul da Rússia e da Ucrânia. No século IV, o país mais povoado por eles era a Alemanha ou Germânia (os alemães de hoje são seus descendentes diretos). Entre os principais povos de língua e costumes germânicos da época das invasões, podemos destacar os godos (visigodos e ostrogodos), francos, vândalos, suevos, anglos, saxões e lombardos. Os germanos desse período não viviam em “civilização”, no sentido mais tradicional do termo: eles não possuíam Estados plenamente constituídos, cidades, economia mercantil e construções monumentais. Mas estavam iniciando um processo de diferenciação social, de transição de uma estrutura tribal para uma estrutura política e econômica mais complexa.

Organização política. Divisão em tribos que, ocasionalmente, principalmente em épocas de guerras, formavam confederações e reinos tribais. Em geral, seus chefes eram escolhidos, mas, em alguns casos, como dos godos, foram constituídas monarquias com reis hereditários. O poder desses chefes e reis era limitado pela assembléia de homens livres com condições de se armar (thing, ding ou mallus). Não existiam leis escritas, mas um conjunto de normas, direitos e deveres orais baseados nos costumes e tradições (o direito consuetudinário).

Economia. Os germanos viviam em aldeias e tinham na agricultura sua principal atividade econômica. A metalurgia, principalmente para a fabricação de armas, era bem avançada. De uma maneira geral, a economia era voltada para a subsistência, mas algumas tribos, sobretudo as de maior contato com os romanos, tinham um comércio mais desenvolvido. A propriedade privada estava começando a se formar, porém a tradição de que parte dos recursos naturais pertencia à comunidade (as terras de uso comum ou de direitos comunais, como florestas e pastos) era um dos fundamentos da organização tribal.

Sociedade camponesa e guerreira. A maioria da população era formada por camponeses livres que se armavam por conta própria e lutavam nas guerras. Uma classe dominante estava emergindo, constituída por uma aristocracia guerreira que se apropriava das melhores terras. Os chefes e aristocratas mais destacados possuíam um séquito de guerreiros profissionais, o comitatus – grupo de guerreiros unidos a um líder pelo juramento de fidelidade em troca da distribuição dos bens conquistados nas guerras.

c) Motivos da invasão bárbara

A invasão ou migração bárbara foi causada por dois motivos principais: (I) o crescimento populacional levando à escassez de terras; (II) a pressão de um grupo bárbaro sobre outro, forçando o seu deslocamento (como os hunos que atacaram os godos, empurrando-os para dentro do Império Romano)

d) Ocupação germânica do Império Romano do Ocidente

Roma conseguiu conter a pressão dos bárbaros na fronteira do Império até meados do século III, muitas vezes utilizando auxiliares germanos e iranianos no exército romano. Nos anos de 260 os germanos tomaram a Dácia (Romênia) de Roma. No século IV a “barbarização” do exército romano avançou e, nos anos de 370, tribos visigodas foram instaladas como aliadas (federadas) dentro do Império Romano, na Trácia (Bulgária). A rebelião dos aliados visigodos contra os romanos em 378 desencadeou o processo que levou a destruição do Império Ocidental. Os visigodos deslocaram-se para o Ocidente sem que os romanos conseguissem destruí-los ou expulsá-los. As guerras civis na disputa pelo trono imperial reduziram a capacidade de repressão dos romanos, favorecendo os bárbaros. A situação se agravou no início do século V, quando vários povos germanos atravessaram a fronteira do rio Reno em uma invasão generalizada do Império Ocidental. Várias províncias foram perdidas e Roma foi saqueada em 410 e 455. Em 476, o último imperador foi derrubado por mercenários bárbaros, simbolizando o fim do Império Romano no Ocidente.

e) Principais momentos das invasões bárbaras do Império Romano (séculos IV-V)

375. Os hunos invadem a Europa Oriental. Os hunos, povo turcomano vindo da Ásia Central, destruíram o reino germânico dos ostrogodos, no sul da Rússia. A invasão dos hunos empurrou diversas tribos germânicas para as fronteiras do Império Romano.

376. Os visigodos entram no Império Romano do Oriente. O imperador Valente (364-378), do Império Romano Oriental, permitiu que os visigodos atravessassem a fronteira do rio Danúbio e ocupassem a província da Trácia (Bulgária) como colonos federados. Esses povos logo entraram em conflito com as autoridades romanas locais e fizeram um levante.

9 agosto 378. Batalha de Adrianopla. O exército romano, comandado pelo imperador Valente, foi massacrado pelos visigodos. Cerca de 40 mil romanos morreram, entre eles Valente.

400-409. Invasão generalizada do Ocidente por vários povos germânicos. Os visigodos, liderados por Alarico, devastam os Bálcãs e invadem a Itália.

410. Saque de Roma pelos visigodos (líder Alarico).

441-453. Os hunos invadem o Ocidente. Os hunos, liderados por Átila, devastam o Império Romano Ocidental.

455. Saque de Roma pelos vândalos (líder Genserico).

476. A Queda do Império Romano Ocidental. O jovem Rômulo Augústulo (14 anos) reinou em Ravena, em 475-476, e costuma ser considerado o último imperador do Ocidente, que na época resumia-se a Itália. Em agosto de 476, o general bárbaro Odoacro liderou um motim de mercenários hérulos, tomou Ravena e, no dia 4 de setembro de 476, depôs Rômulo Augústulo, episódio que tradicionalmente é chamado de “Queda de Roma” ou, mais precisamente, queda do Império Romano do Ocidente.