domingo, 8 de maio de 2011

23 - Grécia Época Arcaica

A Época Arcaica (750-500 aC)


O período da história antiga da Grécia que vai do século VIII ao VI aC foi chamado de “arcaico” em função do estilo da arte, sobretudo da escultura, criada naquela época. No entanto, a característica mais notável desse período foi a formação do sistema clássico, resultado da urbanização, do nascimento da polis e do conceito de cidadão (polites), em um contexto marcado pelo desenvolvimento da economia mercantil, pelo crescimento da escravidão, pelos primórdios da filosofia e pela colonização grega do Mar Mediterrâneo, que resultou na expansão da cultura helênica por um amplo território.

1. O nascimento do sistema clássico

1.1 Desenvolvimento urbano e comercial

Muitas das transformações da Época Arcaica foram desdobramentos de um processo iniciado no final da Idade Homérica. Nos séculos IX-VIII aC, a população voltou a crescer mais acentuadamente na Grécia. As cidades, o comércio e o artesanato mercantil (como a cerâmica) floresceram em grande medida estimulados pela retomada dos contatos com o Oriente, que influenciou vários aspectos da cultura artística grega (a “revolução orientalizante” dos séculos VIII-VII aC). Duas criações orientais de importância fundamental foram adotadas e aperfeiçoadas pelos gregos nos século VIII-VII aC: o alfabeto (originário da Fenícia) e a moeda (originária da Lídia, na Ásia Menor).
1.2 Mudanças na sociedade e crise agrária

O nascimento do sistema clássico a partir das mudanças dos séculos IX-VIII aC se deu em um quadro marcado pelo crescimento demográfico, pela escassez ou má distribuição de terras férteis e pelo desenvolvimento da agricultura mercantil, que demandava produzir gêneros agrícolas para o comércio utilizando-se de mão-de-obra barata. Muitas famílias camponesas não conseguiam se sustentar em lotes por demais pequenos e foram obrigadas a hipotecar suas terras ou mesmo a sua pessoa em troca de empréstimos (geralmente em cereais) feitos pelos proprietários mais ricos. Quando não conseguiam pagá-los, perdiam suas terras (em alguns casos permanecendo nelas como arrendatário) ou se transformavam em escravos por dívidas. Os tetes (trabalhadores livres sem posses) também se tornaram mais numerosos. O processo beneficiou principalmente a aristocracia, mas resultou em uma crise agrária, caracterizada pela concentração fundiária, o empobrecimento de parte dos camponeses e a expansão do trabalho compulsório. As genoi aristocráticas consolidaram seu poder econômico e político, mas não foram a única camada social beneficiada pelas transformações do período. Os comerciantes e os artesãos urbanos cresceram em quantidade e importância por causa do desenvolvimento mercantil e das cidades. Contudo, a população continuou sendo predominantemente camponesa.

2. A religião

A religião politeísta grega arcaica estruturou-se ao redor de uma série de mitos, muitos baseados em tradições da Idade do Bronze ou importadas do Oriente. Além dos cultos tradicionais, desenvolveram-se outras formas de religiosidade, como os Mistérios de Elêusis e o orfismo, com temas associados ao ciclo da vida e morte e a transmigração da alma. As divindades gregas eram antropomórficas e possuíam as paixões e os sentimentos humanos. Os gregos acreditavam que os deuses e deusas mais importantes do seu panteão residiam no Monte Olimpo, a montanha mais alta da Grécia, localizada na região da Tessália. As principais divindades olímpicas eram Zeus (rei dos deuses), Hera (rainha dos deuses e divindade do casamento e da maternidade), Poseidon (deus dos mares), Demeter (deusa da fertilidade e da agricultura), Héstia (deusa do lar), Afrodite (deusa da beleza e do amor), Apolo (deus Sol, da luz e das artes), Atena (deusa guerreira da sabedoria), Ares (deus da guerra), Artemis (deusa da natureza e da caça), Hefesto (deus do fogo e da metalurgia), Hermes (mensageiro dos deuses e divindade do comércio), Dionísio (deus do vinho e das festas) e Héracles (um herói originalmente humano que, depois de sua morte, foi transformado em deus da força e da coragem).

As cidades eram os centros das principais manifestações religiosas (templos, festivais), que contribuíram para desenvolver os laços comunitários e cívicos que fundamentavam a polis. Mas os gregos também desenvolveram festas pan-helênicas na forma de concursos atléticos e artísticos que reuniam competidores de várias póleis homenageando os deuses, sobretudo Zeus e Apolo. O mais famoso desses jogos sagrados foi a Olimpíada, iniciada em 776 aC em Olímpia, santuário localizado no sul da Grécia. Outra competição importante foram os Jogos Píticos realizados em Delfos, na Grécia central, local de culto do deus Apolo e onde estava o seu célebre oráculo, interpretado pela sacerdotisa pítia ou pitonisa.

A partir de 650 aC, a cultura grega arcaica começou a desenvolver o pensamento racional e a filosofia, embora não tenha abandonado suas mentalidades e práticas religiosas. (ver Etapa 1 – Filosofia).

3. A Segunda Diáspora Grega (séculos VIII-VI aC)

A Segunda Diáspora foi a “dispersão” ou colonização grega do Mar Mediterrâneo e do Mar Negro, causada pelo crescimento demográfico, pela busca de terras e pela expansão comercial. A diáspora da Época Arcaica resultou na fundação de várias colônias gregas (apoikias) que surgiram como novas póleis, quer dizer, como comunidades independentes politicamente das metrópoles, ainda que mantivessem com elas fortes laços culturais. Dessas novas póleis, as mais importantes foram criadas na Magna Grécia (sul da Itália e na ilha da Sicília). A colonização grega do Mar Mediterrâneo e do Mar Negro difundiu a cultura helênica por vários países e criou uma Grécia – um mundo grego, quer dizer, falante da língua grega e com a cultura dos helenos – muito maior do que a Grécia atual.

4. A formação da polis

A polis e o ideal de cidadania foram as criações políticas mais originais dos gregos, resultado de uma combinação de fatores, como o crescimento populacional, a urbanização, o desenvolvimento do racionalismo e as guerras entre as cidades, que exigia do indivíduo maior participação nos assuntos de interesse coletivo da comunidade. Várias póleis surgiram no mundo grego (a Grécia e as regiões de colonização grega) em 750-650 aC, criadas pela aristocracia que, cada vez mais rica e poderosa, substituiu a antiga basiléia homérica por uma república controlada pelas famílias mais tradicionais, influentes e ricas da comunidade. Em alguns casos, como em Atenas, a formação da polis envolveu o processo de sinecismo – a união de diversas comunidades menores originando uma comunidade maior, em razão da criação de um centro religioso comum ou por motivos defensivos. Muitos valores aristocráticos homéricos de origem guerreira, principalmente a areté (honra, valentia, busca da excelência), continuaram presentes na polis, incorporados numa ideologia coletiva cívica, isto é, do conjunto dos cidadãos. O dever mais importante do cidadão era o de lutar pela comunidade, armando-se por conta própria, dando renome à sua polis e à sua família pela sua virtude e coragem no campo de batalha – um compromisso individual com a segurança e a sobrevivência de toda a comunidade.

5. As oligarquias

Durante a maior parte da Época Arcaica as póleis foram repúblicas oligárquicas, com governos constituídos por uma minoria de cidadãos de famílias nobres, que excluíram do poder o demos ou povo (as camadas não-aristocráticas). O demos era obrigado a lutar pela comunidade e adquiriu alguns direitos (votar, propriedade de terras), com seus membros (camponeses, comerciantes e artesãos) tornando-se cidadãos de segunda ordem (podiam votar mas não podiam ser eleitos). Com o poder monopolizado pelas famílias tradicionais, as póleis aristocráticas favoreceram a concentração de terras nas mãos das elites, a formação de um campesinato pobre e dependente e o crescimento da escravidão por dívidas.

6. A revolução hoplítica

As disputas por terras e as rivalidades comerciais intensificaram as guerras entre as póleis oligárquicas nos séculos VIII-VII aC. O demos foi mobilizado e exércitos populares, sob a forma de milícias de cidadãos-soldados, foram criados para lutar em prol de toda a comunidade. Possivelmente foi nesse contexto que o demos adquiriu direitos mínimos e assembléias populares foram definitivamente instituídas para votar questões de guerra e de paz. De qualquer forma, parece que foi no século VII aC que se deu a afirmação dos hoplitas, a infantaria pesadamente armada de cidadãos-soldados auto-equipados com capacete, escudo (hoplon), couraça e lança. Em sua maioria, os hoplitas eram não-aristocratas da classe média de camponeses pequenos proprietários. A antiga forma de lutar, o duelo da aristéia homérica, cedeu lugar às batalhas das falanges hoplíticas, com o sucesso dependendo da disciplina e da coragem coletiva dos soldados (que absorveram os valores guerreiros aristocráticos). A aristocracia, que anteriormente quase monopolizava o poder militar (principalmente com a cavalaria), ficou dependendo do demos para defender a polis ou conquistar novos territórios. Com efeito, a infantaria hoplita se transformou na base do exército da polis do século VII ao IV aC.

7. A crise das oligarquias (séc. VII-VI aC)

As póleis oligárquicas entraram em crise nos séc. VII-VI aC em função do confronto entre a aristocracia e o demos, ameaçando causar uma revolução social ou uma guerra civil – confronto que os gregos chamaram de stasis. Essa luta interna tem suas origens na insatisfação do demos com o monopólio aristocrático do poder e com o aumento da desigualdade social por causa do crescimento da concentração de terras e da escravidão por dívidas. O demos, cada vez mais consciente de sua importância militar para a polis no fornecimento de hoplitas, pressionou as oligarquias exigindo mais direitos políticos ou isonomia (direitos iguais), reforma agrária e o fim da escravidão por dívidas. A crise levou a ascensão de lideranças aristocráticas mais próximas do demos – os legisladores eleitos ou tiranos golpistas – que, com respaldo popular, fizeram uma série de reformas para evitar a guerra civil na polis.

8. O caso de Atenas


Localizada na Ática e habitada pelos jônios, Atenas foi um dos centros da civilização micênica da Idade de Bronze. Aparentemente ela escapou das destruições do século XII aC e parece ter adquirido certa importância nos séculos X-IX aC da Época Homérica, quando ocorreu um sinecismo na Ática: as aldeias e pequenas cidades locais, até então independentes, uniram-se em um Estado maior com capital em Atenas. O território desse reino homérico ateniense ou ático foi a base para a formação da polis no século VII aC, quando a monarquia perdeu importância e foi substituída por uma república oligárquica. No século VI aC, com a stasis, depois de um período de tirania, instalou-se a democracia.

8.1 A sociedade

Os habitantes de Atenas estavam divididos em atenienses (os cidadãos), metecos (estrangeiros livres) e doulos (escravos). Os atenienses, por sua vez, estavam inicialmente divididos em duas categorias: eupátridas (aristocracia de nascimento) com mais privilégios políticos, e o demos (camponeses, artesãos, comerciantes e tetes) com menos direitos.

8.2 A fase da oligarquia (650-560 aC)

Inicialmente, Atenas era uma polis oligárquica, com o poder político monopolizado pelos eupátridas. No entanto, a stasis e a revolução hoplítica obrigaram a aristocracia, dividida em facções rivais que disputavam o poder e buscavam apoio do demos, a aceitar reformas, feitas por legisladores eleitos (Drácon, Sólon). As reformas continuaram na fase seguinte pelo tirano Pisístrato e culminaram na instalação da democracia por Clístenes. Veja na Tabela 1 o nome das instituições políticas de Atenas.

O governo de Drácon (621-620 aC). Primeiras leis escritas; justiça pública e penalidades severas.

O governo de Sólon (594-593 aC). Abolição da escravidão por dívidas; cancelamento das hipotecas das terras; criação de um novo Conselho (a Bulé, que passou a coexistir com o antigo Conselho, o Areópago)) e de um tribunal popular (a Helieia); estabelecimento de uma nova cidadania com a divisão censitária dos cidadãos em 4 grupos de acordo com a renda (apenas os ricos teriam acesso aos principais cargos públicos, caracterizando um “poder dos ricos” ou timocracia). Os eupátridas continuaram no poder, mas seu monopólio foi rompido com a ascensão de cidadãos ricos não-eupátridas, principalmente dos comerciantes.

8.3 A fase da tirania (560-510 aC)

A tirania foi um governo inconstitucional de um aristocrata que tomou o poder pela força, enfrentando rivais da própria aristocracia, e se perpetuou nele com apoio popular, obtido em troca de reformas que agradavam o demos.

O governo de Pisístrato (561-527 aC). Manteve a constituição soloniana, mas fez uma série de reformas. Entre elas, talvez, uma reforma agrária limitada, dividindo entre os pobres as terras dos aristocratas rivais; concedeu empréstimos aos camponeses; organizou obras públicas empregando tetas; incentivou o comércio; instituiu festivais religiosos cívicos da Panatenéia (da deusa Atena) e das Dionísicas (do deus Dionísio), com concursos de atletismo e de apresentações teatrais.

Os governos de Hípias e Hiparco (527-514 aC). Filhos de Pisístrato (os “Pisistratidas”), continuaram estimulando as artes, mas Hiparco foi morto por aristocratas considerados “tiranicidas” e libertadores de Atenas.

O governo de Hípias (514-510 aC). Com ele, a tirania tornou-se opressora e impopular. Hípias fez uma aliança com Argos, polis rival de Esparta. Com isso, os eupátridas, parte do demos e os espartanos se aliaram para derrubá-lo.

8.4 A revolução democrática (510-509 aC)

Em um quadro de acentuada stasis e de divisão dos atenienses, a tirania foi derrubada por um levante popular liderado pela aristocracia. Hípias fugiu. Os eupátridas tentaram restaurar a oligarquia, mas fracassaram. Clístenes, líder aristocrático ligado ao demos, assumiu o poder e fez uma série de reformas (509-506 aC) que instalaram a democracia em Atenas. As bases institucionais da democracia instalada por Clístenes e aperfeiçoadas nas décadas seguintes foram:

a) A isonomia

Estabelecimento da isonomia (“a mesma lei para todos”) entre todos os cidadãos, que foram divididos em 10 tribos (filias) de demos (no sentido de “bairros” ou “distritos” de Atenas). Algumas restrições censitárias continuaram existindo para a magistratura (arcontado), mas foram abolidas em meados do século V aC.

b) Instituições

Fortalecimento da Eclésia, a assembléia popular, que se transformou no principal órgão do regime democrático

Reorganização da Bulé, transformada num Conselho Legislativo com 500 membros sorteados na Eclésia.

Eleição de 10 estrategos ou comandantes militares, com mandato de um ano, podendo ser eleitos indefinidamente. Responsáveis pelos impostos recolhidos em época de guerra e dos metecos, podiam convocar a Eclésia em situações extraordinárias. Na prática, os estrategos transformaram-se nos magistrados mais importantes e nos principais lideres populares.

c) O ostracismo

Estabelecimento do ostracismo: o exílio por 10 anos, estabelecido em votação na Eclésia, de um cidadão considerado inimigo do regime democrático, com perda dos direitos políticos, mas não do patrimônio.

8.5 Limites e significado da antiga democracia ateniense

A democracia antiga não alterou em nada o status político das mulheres, metecos e escravos, que continuaram sem direitos de cidadania. Mas o novo regime abriu as portas para uma maior participação dos camponeses, artesãos e tetes no governo, sobretudo através das discussões e votações na Eclésia, em um sistema de democracia direta, quer dizer, com a participação direta dos cidadãos nas decisões políticas finais, sem intermediários.

A crítica aristocrática à democracia. Os eupátridas nunca aceitaram plenamente a democracia. Sua ideologia aristocrática desprezava o trabalho manual (para eles uma tarefa de escravos) e os homens livres que precisavam praticá-lo, como os artesãos e camponeses. Na visão dos eupátridas, os camponeses e artesãos, em função do seu trabalho, não tinham tempo suficiente para se dedicarem à política e, por isso, não entendiam do assunto, tornando-se “maus cidadãos”, com uma condição social mais próxima dos escravos do que dos “verdadeiros cidadãos” (a aristocracia). O “bom cidadão” era o cidadão ocioso, isto é, o cidadão que não precisava trabalhar, porque os escravos trabalhavam para eles. Ou seja, apenas os eupátridas, ricos proprietários de escravos e livres da necessidade do trabalho manual é que deveriam governar em benefício de toda a comunidade. Para ele, a democracia deturpou essa realidade política, concedendo direitos iguais para aristocratas e o demos – para cidadãos preparados (a minoria) e cidadãos despreparados (a maioria).