quarta-feira, 6 de março de 2013

36 - Domesticação do cão


Pessoal, seguem dois textos que saíram na revista Veja sobre a domesticação do cão na Pré-História. O primeiro deles é de 2011 e trata de uma pesquisa que contesta a datação tradicional da domesticação. O segundo texto é uma notícia mais recente (março de 2013) sobre a descoberta de  fósseis de ancestrais do cachorro.

Texto 1 - Livro defende nova origem para os cães

Para Mark Derr, autor de 'How the dog became the dog', a teoria de que os cães se originaram de lobos selvagens, quando os homens se tornaram sedentários, está errada. Para ele, novos dados arqueológicos e genéticos indicam que a aproximação aconteceu muito antes

Por volta de 15.000 anos atrás, o planeta estava saindo da última Era do Gelo. À noite, lobos rondavam as primeiras aldeias pré-históricas, em busca de comida fácil, os restos jogados fora pelos humanos. Era o início de uma grande e duradoura amizade. Ao longo de gerações, as duas espécies foram se aproximando e os homens passaram a criar filhotes de lobo. Os mais mansos ficaram nas aldeias e foram se diferenciando de seus ancestrais. Sem ter que dilacerar a caça, foram perdendo a força da mordida. Mal alimentados pelos homens, com sobras, perderam tamanho. E se tornaram uma espécie diferente dos lobos, a primeira espécie animal que surgiu graças à interferência humana.

Esta é a teoria mais aceita pela maioria dos cientistas. O pesquisador americano Mark Derr, no entanto, desenvolveu novos argumentos para afirmar que a parceria homem/cão é muito mais antiga do que se pensa. No livro How the dog became the dog - from wolves to our best friends (Como o cão se tornou o cão - dos lobos aos nossos melhores amigos, sem edição em português), Derr se baseia em novos estudos genéticos e arqueológicos para defender que os primeiros cachorros apareceram há pelo menos 30.000 ou 40.000 anos, quando o Homo sapiens ainda se comportava de maneira nômade.

O livro lançado nos EUA é porta voz de uma teoria minoritária, porém cada vez mais popular, que defende que os lobos cinzentos se aproximaram dos humanos quando nossa espécie ainda vagava pela África, Europa e Ásia, caçando, e coletando frutas e raízes. O autor afirma que não há provas arqueológicas cabais desse encontro porque os lobos que se aproximaram do homem não se diferenciaram fisiologicamente de seus irmãos selvagens pelos milênios seguintes. "Mas eles viajavam juntos há muito tempo e continuam fazendo isso até hoje", afirmou ele, em entrevista ao site de VEJA. Para Derr, os lobos cinzentos se aproximaram dos humanos por curiosidade. A fase de observação deve ter durado gerações. "Os animais têm diferentes personalidades, como os humanos. Assim como há homens corajosos, há os que têm medo da própria sombra. Eu acho que os lobos mais sociáveis e os humanos mais sociáveis se aproximaram, começaram a correr juntos e nunca mais pararam."

O pesquisador também defende que a domesticação do animal ocorreu em áreas e tempos diferentes ao longo da história, por isso deve haver muitos "elos perdidos", que se diferenciaram dos lobos, mas não originaram os cães modernos .Derr baseia sua hipótese em descobertas como a de um crânio encontrado nas montanhas Altai, na Sibéria, que tem 33.000 anos e algumas características diferentes dos lobos selvagens, como o focinho. OU ainda em casos como o de um fóssil, encontrado na caverna Goyet, na Bélgica, que tem 31.700 anos de idade. "Estudos do DNA mitocondrial apontam para a presença de animais diferentes de lobos há um período que pode variar de 45 a 135.000 anos atrás", conta ele. "Em tempo geológico não é nada, mas do ponto de vista biológico é determinante."

Polêmica — Autor de outros cinco livros sobre cães, nenhum deles publicado no Brasil, e colunista de publicações como The New York Times e Scientific American, Derr está longe de ser unanimidade entre os especialistas. Com mais de 50 trabalhos relacionados a cães, o biólogo evolucionista Raymond Coppinger, professor no Hampshire College, em Massachusetts, EUA, tem pesquisas citadas no livro e leu a obra. Para ele, o material não tem validade científica. “O senhor Derr não é muito rigoroso em sua avaliação da literatura científica recente sobre a origem dos cães e tende a escolher os achados mais espetaculares e que corroborem com o argumento defendido por ele”, afirmou a VEJA.

Para Coppinger, as hipóteses sugeridas por Derr não podem ser provadas. "Entre 7.000 e 9.000 anos atrás, há evidências inegáveis da presença de uma população de cães. E população é a palavra chave, porque é nesse nível que se dá a evolução de uma espécie", explica. "Antes disso, há espécimes que o autor 'suspeita' que podem ser o 'início' dos cães. Mas são evidências arqueológicas que não acrescentam nada. Ele cita espécimes de 30.000 e de 18.000 anos que tem a ossada e a arcada dentária típica da classe dos lobos. Cita outro de 12.000 anos que é um filhote. Mas nenhum especialista pode diferenciá-lo de um filhote de lobo", afirma .

Para Mauro Lantzman, veterinário e especialista em comportamento animal da PUC-SP, a explicação da domesticação tardia tem mais evidências e faz mais sentido. "O ser humano, quando nômade, não tinha esse conceito de criação. Mas uma vez que ele se tornou sedentário e começou a dominar a agricultura, partir para o cuidado dos animais foi um passo natural", avalia.

Para a doutora em genética Priscila Guimarães Otto, professora aposentada do Instituto de Biociências da USP, não é possível confirmar nenhuma das hipóteses. "São muitos os estudos, como os de DNA, DNA mitocondrial e morfologia. E muitas as prováveis datas, pois são contadas aos milhares de anos", diz. "Lobos cinzentos existem há uns 50 milhões de anos e podem ter começado a ter interesse nos restos alimentares da espécie humana desde os 30.000 anos defendidos por Derr, mas o fato é que os restos mais antigos do cão doméstico, que descende com certeza dos lobos, datam de 10 a 15 mil anos atrás."

Derr se defende dizendo que cada abordagem científica aponta resultados diferentes. "Há respostas melhores que outras, mas eu não tenho certeza de que chegaremos a uma definição porque não sei se temos as ferramentas necessárias", afirma.

Raças — É consenso entre os especialistas que os primeiros cachorros eram muito parecidos com os lobos que os originaram. A diferenciação entre esses primeiros indivíduos se deu, em grande parte, pela vontade do homem. "Conforme a necessidade de determinado grupo de humanos – caçar, perseguir, guardar ou apenas servir como animais de estimação – eles escolhiam entre seus diferentes cães aqueles que demonstrassem mais aptidão e dirigiam os cruzamentos entre esses animais", explica Priscila Otto. "Esse processo de seleção artificial, com cruzamentos escolhidos pelo homem continua até hoje e o resultado é que as diferenças em tamanho, conformação e comportamento entre as cerca de 400 raças 'oficiais' atuais são substanciais."

Para Derr, o processo de criação de raças afastou os cães de seus antepassados. E isso pode ter sido determinante para que o homem se sinta tão ligado a esse animal. "Os criadores de raças suavizaram a aparência dos animais ao ponto de infantilizar muitas raças. Outras tiveram o tamanho da cabeça reduzido, focinhos achatados e os olhos frontais modificados. Uma aparência civilizada para combinar com seu comportamento mais 'decente'", explica ele, no livro, que ainda não tem previsão de publicação no Brasil.

Raphael Veleda in http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/livro-defende-nova-origem-para-os-caes

Clique no link acima para ver um gráfico sobre a domesticação dos cães

Texto 2 - Encontrado na Sibéria segundo fóssil mais antigo do cachorro moderno
Fóssil de 33.000 anos foi encontrado nas montanhas de Altai, na Sibéria
Análises do DNA de um dente fóssil de cerca de 33.000 anos recuperado na Sibéria confirmaram que ele pertenceu a um dos mais velhos ancestrais do cachorro moderno. O achado foi descrito em uma pesquisa publicada nesta quarta-feira no periódico PLoS ONE por Anna Druzhkova, do Instituto de Biologia Molecular e Celular, na Rússia.

A origem do cachorro moderno é um assunto controverso na ciência, com dados genéticos indicando uma separação entre lobos e cachorros no fim do Pleistoceno, cerca de 11.500 anos atrás. Entretanto, apenas alguns fósseis similares aos cachorros foram encontrados antes da última Era do Gelo. É ainda amplamente aceito que a domesticação do cachorro date do início do período agrícola, há cerca de 10.000 anos. Alguns estudos sugerem, no entanto, que a separação entre os cães domésticos e os lobos tenha ocorrido por volta de 100.000 anos atrás — embora o fóssil mais antigo do cachorro moderno conhecido pelo homem tenha apenas cerca de 36.000 anos.

Durante as análises, os pesquisadores descobriram que este fóssil, chamado de "cão de Altai" (em homenagem às montanhas em que foi recuperado), tem uma relação mais próxima com os cachorros modernos e canídeos pré-históricos encontrados no continente americano do que com os lobos. "Esses resultados sugerem uma história mais ancestral do cachorro fora do Oriente Médio ou do Leste da Ásia, que se acreditava anteriormente serem os possíveis locais de sua origem", dizem os pesquisadores.

A avaliação do fóssil foi feita com análise do DNA. Análises futuras poderão indicar uma data mais exata e o centro da domesticação.

Domesticação — A domesticação dos lobos, segundo a maioria dos pesquisadores na área, deve ter acontecido de 15.000 a 10.000 anos atrás. Nessa época, o homem deu início à vida sedentária em aldeias e comunidades e os animais se aproximavam à procura de sobras e alimentos. Ao longo de gerações, lobo e homem foram se aproximando, e os mais mansos acabaram ficando nas aldeias e se diferenciando dos seus ancestrais. Domesticado, o lobo dava origem ao cachorro — que começava a perder a força na mordida, por não precisar caçar, e a ficar menor, já que eram alimentados com sobras.

http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/encontrado-na-siberia-segundo-fossil-mais-antigo-do-cachorro-moderno

35 - Hugo Chávez (1954-2013)


 
Pessoal, segue um texto do jornalista Reinaldo Azevedo sobre a morte de Hugo Chávez e sua trajetória política, publicado na versão eletrônica da Veja (5 de março de 2013)

Hugo Chávez (1954-2013)

Em mais de uma ocasião, Hugo Rafael Chávez Frías disse que pretendia permanecer no poder na Venezuela até 2031. Na tarde desta terça-feira, contudo, as complicações advindas de um câncer na região pélvica abreviaram seus planos: a morte de Chávez foi anunciada pelo seu vice, Nicolás Maduro, e pôs fim a um governo que já durava 14 anos. (…) A morte deixa um vácuo difícil de ser preenchido, já que nenhum sucessor tem a mesma ascendência sobre os membros do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e as Forças Armadas, nem o mesmo carisma para conduzir as massas.

Chávez morre aos 58 anos. No início de dezembro, ele viajou a Havana, Cuba, para submeter-se à quarta cirurgia para combater o tumor diagnosticado em junho de 2011 e que nunca foi tratado de maneira inteiramente transparente pelo governo venezuelano – nem mesmo a localização exata do tumor foi revelada. Em 18 de fevereiro deste ano, após 71 dias de ausência, ele anunciou seu retorno à Venezuela pelo Twitter. No entanto, nenhuma imagem do coronel havia sido divulgada desde então. Ele estaria recebendo tratamento no hospital militar da capital, e nesta terça-feira o governo informou que seu estado de saúde havia sofrido uma piora após “nova e severa infecção”.

A doença abateu um político que vendia uma imagem de invencibilidade e que tentou mantê-la até quando o agravamento de seu estado de saúde já mostrava que a realidade era outra. O carismático Chávez deverá ser lembrando pelo estilo espalhafatoso – que causou a célebre reação do Rei Juan Carlos, da Espanha, num encontro de governantes: “Por que não te calas?” – e pela maneira como usou uma das ferramentas da democracia, as eleições periódicas, para desmontar instituições e concentrar poderes. Ao longo de mais de seus anos no poder, ele criou uma milícia própria, manobrou para garantir resultados favoráveis em eleições, confiscou empresas, perseguiu opositores e a imprensa e submeteu a Justiça aos seus interesses.

Origens
Nascido em 28 de julho de 1954, o segundo filho de dois professores da cidade venezuelana de Sabaneta, no oeste da Venezuela, chegou a pensar em se dedicar profissionalmente ao esporte mais popular do país, o beisebol. A mudança de rumo veio depois que entrou para o Exército, aos 17 anos, com o objetivo inicial de se mudar para a capital, Caracas, onde seu talento esportivo poderia ser mais facilmente reconhecido.

Acabou mergulhando no campo militar e foi um dos fundadores do grupo que ficou conhecido como Movimento Bolivariano Revolucionário – em homenagem ao líder da independência da Venezuela, Simon Bolívar. Começou então a organizar seus aliados para tomar o poder. A tentativa de golpe fracassada contra o governo de Carlos Andrés Pérez, em 1992, resultou na morte de 18 pessoas e na sua prisão. Depois de dois anos preso, ele foi perdoado pelo presidente Rafael Caldera e libertado em 1994.

Quatro anos depois, o coronel paraquedista assumiu o comando da Venezuela ao ser eleito com 56% dos votos. Diante de um cenário político marcado pela corrupção, Chávez apresentou-se como um representante das classes mais baixas que promoveria uma melhor distribuição da riqueza vinda do petróleo. De fato, a maior fonte de recursos do país financia os programas assistencialistas conhecidos como “misiones”, que consistem basicamente em uma fórmula para distribuir pequenas quantias de dinheiro aos beneficiários. Há misiones de alfabetização de adultos, de cooperativas agrícolas, de atendimento médico e de venda de alimentos subsidiados, entre outras. Todas estabeleceram uma dependência entre a população pobre e a figura onipresente de Chávez.

O medo de perder os benefícios sociais ou um cargo público manteve a população fiel ao coronel, em um estilo de governo batizado por opositores de “medocracia”. A suspeita de que o sigilo do voto poderia ser violado buscava alicerces em momentos como o verificado em 2004, quando aliados do presidente elaboraram uma lista com o nome de todos os venezuelanos que foram a favor da convocação de um referendo contra Chávez. Além disso, ao longo de seus três mandatos consecutivos, outras irregularidades foram relatadas, como mesários votando no lugar dos eleitores ausentes ou permitindo que militantes chavistas acompanhassem eleitores na cabine de votação. Até sua saída de cena, as artimanhas foram alteradas, mas nunca eliminadas.

Trajetória
Logo depois de assumir o poder, Chávez convoca um referendo em abril de 1999 e consegue autorização popular para eleger os representantes da Assembleia Constituinte que elaboraria a nova Constituição, da agora República Bolivariana da Venezuela. A Constituição acabou com o sistema legislativo bicameral – desde então, o Parlamento é dominado por aliados do presidente. Novas eleições são convocadas para julho de 2000, é Chávez é eleito com quase 60% dos votos. Pouco depois é aprovada a chamada Lei Habilitante, permitindo ao coronel governar por meio de decretos.

A era Chávez foi um período de intensa polarização no país. Os opositores, vendo na figura do presidente uma ameaça comunista, começaram a alertar a classe média sobre os planos de Chávez de nacionalizar toda a iniciativa privada. Já o mandatário rotulava a oposição como “burguesa” e “oligárquica”, influenciada pelo “imperialismo americano”.

As diferenças ficaram evidentes em 2002, quando Chávez demitiu os gestores da PDVSA e substituí-los por pessoas da sua confiança. A decisão associada à insatisfação com as medidas como a desapropriação de latifúndios, o que acabou provocando uma tentativa de golpe de estado pela oposição. Em protesto, a Fedecámaras, entidade representante dos empresários, convoca uma greve geral para o abril, que termina com 13 mortos. O descontentamento com a liderança de Chávez atingiu também alguns setores do Exército, e antigos apoiadores do coronel o abandonaram. No dia 12 de abril, um grupo de oficiais anuncia que Chávez tinha renunciado e que o presidente da Fedecámaras, Pedro Carmona, havia assumido o comando do país. Mas o plano deu certo apenas por 47 horas. Partidários de Chávez, apoiados por comandantes militares, pedem a volta do mandatário e Carmona abandona o posto. Depois de se restabelecer, Chávez passou a reprimir os meios de comunicação independentes, com a acusação de que eles estariam distorcendo as informações em favor da oposição.

Mas a insatisfação resulta em novos protestos e greve geral, que afeta a produção de petróleo na Venezuela. Afetados pelo problema interno, os Estados Unidos pressionam a oposição por um acordo com o governo. Em 2003, uma coligação de partidos opositores convoca um referendo sobre a permanência ou não de Chávez no poder. A consulta popular foi realizada no ano seguinte, com a maioria dos eleitores apoiando o mandatário – sob acusações de fraude por parte da oposição que, no ano seguinte, boicotou as eleições parlamentares.

Em dezembro de 2006, Chávez é reeleito para um terceiro mandato, com quase 63% dos votos. No ano seguinte, ele decide não renovar os direitos de transmissão da emissora de TV mais popular do país, a RCTV. Governando sem oposição no Parlamento, o caudilho ganha poderes para governar novamente por meio de decretos. Ainda em 2007, no entanto, sofre um revés quando os venezuelanos votam contra a proposta de reforma constitucional que previa, entre outras coisas, o direito de reeleição ilimitada para a Presidência. A derrota foi logo revertida pelo ditador, que convocou, no ano seguinte, uma nova consulta popular para aprovar o item que lhe permitiu perpetuar-se no poder. A aprovação, mais uma vez, foi feita com amplo uso da máquina pública.

Em 2010, a oposição recebeu a maioria dos votos na eleição parlamentar, mas Chávez conseguiu garantir mais representantes do PSUV na Assembleia Nacional ao alterar os mapas dos distritos eleitorais, dando mais peso aos votos das zonas rurais, onde tem mais apoio.

Nas últimas eleições presidenciais, em 7 de outubro, Chávez voltou a usar a máquina para impor toda sorte de obstáculos à campanha do opositor Henrique Capriles, governador do estado de Miranda. Logo depois da unificação opositora em torno do nome de Capriles, ele foi punido com um corte no orçamento do seu estado. O governo nacional também tirou de sua administração todos os hospitais e postos de saúde. Ao longo da campanha, Chávez lançou mão do expediente antidemocrático de usar a cadeia nacional para interromper transmissões de atos políticos de Capriles pelas emissoras. E chegou até mesmo a acusar a oposição de fazer bruxaria contra sua campanha eleitoral. Depois do resultado que assegurou um quarto mandato ao coronel, a oposição afastou a hipótese de fraude, mas destacou que a campanha foi feita em condições desiguais.

Bufão
Internamente, Chávez usou as emissoras de TV com desenvoltura para cantar, fazer longos discursos e palhaçadas. Essa personalidade excêntrica também foi apresentada a líderes mundiais em diversas ocasiões. Uma das mais marcantes foi seu discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2006, quando chamou o ex-presidente americano George W. Bush de “demônio” e recomendou a leitura de um livro de Noam Chomsky, conhecido crítico do governo dos EUA, sobre os perigos do imperialismo americano.

No ano seguinte, no entanto, ele encontrou um interlocutor com pouca paciência. O rei da Espanha, Juan Carlos, disse a Chávez a célebre frase “¿Por qué no te callas?”, durante uma Cúpula Ibero-Americana, em Santiago, Chile. A reação do rei ocorreu depois que Chávez chamou o ex-premiê espanhol José Maria Aznar, um aliado de Bush eleito democraticamente, de “fascista”.

As ações de Chávez no exterior, contudo, foram muito além de bravatas. Além de financiar o assistencialismo que deu origem a uma fiel base eleitoral na Venezuela, o dinheiro do petróleo foi usado pelo ditador para comprar aliados na América Latina, como Cuba e Bolívia. O petróleo também estreitou as relações entre a Venezuela e a China. O governo chinês financia projetos na Venezuela e recebe petróleo em troca. Com isso, Chávez pretendia reduzir a dependência dos Estados Unidos, realidade da economia de seu país, a despeito do declarado antiamericanismo do caudilho – que chegou a ser incluído no currículo das escolas.

Em nome dos aliados, Chávez não se constrangeu ao enviar um navio com petróleo para a Síria em fevereiro de 2012, quando a comunidade internacional tentava isolar o governo de Bashar Assad, e não deixou de apoiar Mahmoud Ahmadinejad mesmo com os esforços do Ocidente para tentar dissuadir o Irã dos planos de desenvolver armas nucleares.

A tentativa de ampliar sua influência na América Latina – por meios tortos ou equivocados – nunca foi abandonada. Suas ações foram desde o financiamento de insurreições nos países vizinhos à criação da Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas), anunciada em 2005 como uma resposta à Alca, a área de livre-comércio das Américas proposta pelos Estados Unidos, e que se tornou um clube de amigos do Chávez. Em outra frente, o coronel foi grande apoiador das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. Documentos encontrados em poder da narcoguerrilha colombiana revelaram que a ajuda vinha na forma de dinheiro, guarida, armas, assistência médica.

Uma das últimas intervenções do ditador teve como alvo o Paraguai. Chávez mandou o então chanceler Nicolás Maduro reunir-se com a cúpula das Forças Armadas paraguaias para incitar uma reação a favor de Fernando Lugo, que foi alvo de impeachment em junho do ano passado. As relações entre os dois países estão estremecidas desde então.

Doença
Desde junho de 2011, quando revelou sofrer da doença, o presidente viajou diversas vezes a Cuba para dar continuidade ao tratamento, sem detalhar sua situação. As informações sobre o câncer foram desencontradas desde o início – nem o tipo nem a localização dos tumores foram revelados com exatidão. Até mesmo os comentários de Chávez sobre o câncer oscilavam. Em um momento, ele parecia otimista e se dizia “curado”. Em outro, alertava para uma queda de ritmo. Depois, prometia voltar “com mais energia”.

Em novembro de 2012, seis meses depois da última sessão de quimioterapia e após ficar semanas sem aparecer em público, ele voltou a Cuba para um tratamento especial. Oficialmente, anunciou que as sessões de oxigenação hiperbárica “consolidariam o processo de fortalecimento” de sua saúde. Depois de ficar mais de uma semana na ilha, voltou à Venezuela. Porém, apenas dois dias depois, informou que viajaria novamente a Cuba para se submeter à quarta cirurgia em 18 meses. Admitiu que a nova intervenção cirúrgica apresentava um risco e, pela primeira vez falou em um sucessor: o vice-presidente, Nicolás Maduro. Depois de mais de dois meses internado em Cuba, o governo divulgou fotos do mandatário com as filhas. Ele aparecia sorridente.

Ao longo do tratamento, Chávez apelou para a fé. Durante a Semana Santa de 2012, o ditador venezuelano demonstrou um fervor religioso fora do comum. Logo ele — que costumava condenar a Igreja e toda a sua hierarquia, insultando cardeais, bispos e até mesmo o Vaticano como instituição em seus discursos —, nesse feriado religioso, participou de uma missa em Barinas, sua cidade natal, onde se mostrou um católico devoto.

Chávez casou-se duas vezes: a primeira com Nancy Colmenares, com quem teve três filhos —- Rosa Virginia, María Gabriela e Hugo Rafael —, e a segunda com a jornalista Marisabel Rodríguez, de quem se separou em 2003 e com quem teve uma filha, Rosinés. Além disso, também teria mantido uma relação amorosa por cerca de dez anos com a historiadora Herma Marksman, enquanto era casado com sua primeira esposa.

Por Reinaldo Azevedo in http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/