terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

12 - A Revolução Egípcia (II)


(Vejam a postagem 11)

Pessoal, mais um texto interessante sobre a crise política do Egito, agora contextualizando os acontecimentos do país no conturbado cenário do Oriente Médio das últimas três décadas. O texto tem vários links. Também está na Veja digital (www.veja.abril.com.br) e saiu no dia 2 de fevereiro de 2011.

Mundo árabe: constantes revoluções, mas sem democracia

O mundo árabe vive, nos últimos dias, uma onda de protestos antigoverno iniciada a partir da Revolução do Jasmim, na Tunísia. Lá, os manifestantes conseguiram tirar do poder o ditador Zine El Abidine Ben Ali, que comandava o país há 23 anos. Foi o estopim para que populares saíssem às ruas no Egito, Iêmen, Argélia, Sudão e Jordânia. Não é a primeira vez que revoltas populares fazem a história dar um de seus saltos à frente nos países islâmicos. Mas, em regiões com histórico tão delicado, a fúria das ruas faz emergir o risco de ascensão dos fundamentalistas.

Um dos ápices do furor revolucionário no Oriente Médio foi a derrubada da monarquia e a criação da primeira república islâmica no Irã, em 1979. Como resultado dessa revolução, o Irã é hoje o único país da região absolutamente teocrático, ou seja, dirigido pelo clero muçulmano a partir não de leis votadas em parlamento, e sim das regras do Corão. O regime permitiu que radicais como Mahmoud Ahmadinejad chegassem à Presidência. Eleito em 2005 com o voto dos miseráveis da periferia das cidades iranianas, Ahmadinejad costuma chocar o mundo com suas ameaças verbais e demonstrações de força.

Ao fraudar pateticamente as eleições iranianas para reeleger-se, em 2009Ahmadinejad deu início a uma outra onda de protestos que agitou o mundo árabe. Naquele ano, porém, a violência das forças de segurança conseguiu conter a fúria dos manifestantes. Ao menos 10 jovens morreram pelas mãos da polícia durante as manifestações – entre eles Neda, a garota que se tornou símbolo da truculência dos regimes autoritários. Ela foi morta com um tiro na cabeça diante das câmeras em um protesto. As manifestações no Irã tornaram-se o mais extraordinário exemplo das potencialidades do Twitter. Muitos iranianos recorriam à rede para organizar protestos e denunciar abusos do governo. O movimento chegou a ser saudado como “revolução do Twitter”.

Em 2005, foi a vez do Líbano ser palco de manifestações da vontade popular no mundo árabe. Pela primeira vez, a palavra intifada – rebelião, em árabe – foi usada nessa parte do mundo para caracterizar um movimento inteiramente pacífico. Pela primeira vez, enormes massas saíram às ruas pedindo o básico em boa parte do planeta, mas mercadoria escassa entre seus vizinhos: liberdade, soberania, justiça. Pela primeira vez, guiadas pelo mais arrebatado realismo, pediram – e conseguiram – o impossível: a retirada das tropas sírias que entraram no país em 1976. O país, porém, vive numa corda bamba constante na tentativa de equilibrar as variadas facções religiosas e políticas que se estabeleceram desde a guerra civil de 1990. Ronda o Líbano também o perigo de ascensão do Hezbollah, o cada vez mais poderoso movimento político, religioso e militar dos radicais xiitas.

Assim como se viu na Tunísia, a onda de manifestações no Líbano deu origem a uma série de outras. No Iraque, o protesto não foi na porta da embaixada americana, mas na da Jordânia, acusada de facilitar a entrada no país das ondas de suicidas que, em nome da guerra aos Estados Unidos, trucidam diariamente civis iraquianos. No Catar, viu-se um ato de repúdio ao terrorismo, permeado por frases singelas como: “Residentes estrangeiros, nós amamos vocês”. As manifestações tiveram resultados, ainda que tímidos – eleições presidenciais pluripartidárias, mas não muito, no Egito e modestas eleições municipais na Arábia Saudita.

As fronteiras do mundo árabe foram riscadas na areia depois da I Guerra. A mistura mal costurada de tribos, povos, religiões nunca foi fácil de administrar. Talvez a solução esteja na democracia, sistema político que não experimentaram. A derrubada de um regime autoritário, contudo, infelizmente não garante que a ele se sucederá uma democracia com direitos e liberdades universais. Com a falência do nacionalismo laico e a quase inexistência de correntes identificadas com as tradições democráticas, o Islã politizado é praticamente a única alternativa hoje existente na vasta maioria do mundo muçulmano.

11 - A Revolução Egípcia (I)

Pessoal, seguem dois textos bem interessantes sobre os últimos acontecimentos no Egito. O primeiro texto trata da Irmandade Muçulmana, o principal grupo de oposição ao (ex) regime de Mubarak. O segundo texto é uma entrevista com o escritor egípcio Tarek Osman. Ambos saíram na edição eletrônica da Veja do dia 22 de fevereiro de 2011 (www.veja.abril.com.br)

Texto I
Irmandade Muçulmana: os fundamentalistas contra Mubarak
Maior e mais antigo grupo de oposição do Egito diz ter abdicado da violência, mas alguns membros continuam a apoiar terroristas pelo mundo árabe
Em 18 dias de intensos protestos nas ruas do Egito, representantes do grupo Irmandade Muçulmana fizeram coro com outros manifestantes pedindo a renúncia do presidente do país, Hosni Mubarak. No dia 11 de fevereiro, a "voz das ruas" prevaleceu e o ditador renunciou, deixando nas mãos do Exército a tarefa de governar até as eleições e abrir caminho para um regime democrático no país. Diante do receio dos ocidentais de que os fundamentalistas ameaçariam tal transição, membros da Irmandade afirmaram que não apresentarão um candidato à Presidência, porém anunciaram a formação de um partido político. Mas, afinal, em que consiste o movimento, quem são seus integrantes e qual sua força e participação nos recentes protestos?

A Irmandade Muçulmana é a maior e mais antiga organização islâmica do Egito e principal grupo opositor ao governo de Mubarak - apesar de nunca ter chegado a ser de fato um partido político. Fundado por Hassan Al Banna, em 1928, com o objetivo de espalhar os preceitos do Islã, o movimento teve suas ideias disseminadas rapidamente e, no fim da década de 1940, estimava-se que possuísse 2 milhões de seguidores no Egito. Logo o movimento ganhou ramificações em outras nações árabes, como a Síria e o Iraque. Em meados da década de 1950, a ascensão do teólogo Sayyid Qutb como liderança pôs a Irmandade Muçulmana na trilha do radicalismo. Qutb foi e continua sendo inspiração para grupos como o Hamas (palestino), o Hezbollah (libanês), e mesmo para a rede terrorista Al Qaeda - organizações às quais a Irmandade presta ajuda financeira.
Apesar de seus porta-vozes afirmarem ter adotado o caminho da moderação e da renúncia à violência, o movimento desperta temor e desconfiança no Egito e no Ocidente. Enquanto diz apoiar princípios democráticos, um de seus objetivos ainda é criar, gradualmente, um estado regido pela lei islâmica da Sharia. Seu mais conhecido slogan é: “O Islã é a solução”. Banido várias vezes pelo governo egípcio ao longo da história, o grupo ainda assim se infiltrou no parlamento com candidatos independentes que defendiam, além da liberalização da legislação partidária, a instauração das leis islâmicas no país. Na década de 1980, com a chegada de Mubarak ao poder, a Irmandade apostou em alianças com o partido Wafd, em 1984, e com os partidos dos trabalhadores e dos liberais, em 1987, tornando-se a principal força de oposição no Egito. Porém, em todos esses anos, assim como nos subsequentes, não conseguiu aprovar projetos de seu interesse.
Apenas nas eleições de 2005 o grupo voltou a ganhar expressão, alcançando a sua melhor marca: candidatos aliados independentes ganharam 20% das cadeiras da Assembléia Nacional. Embora não representasse uma ameaça imediata, diante das rigorosas leis impostas por Mubarak, o resultado surpreendeu o presidente por demonstrar a força do movimento. O governo logo lançou mão de novas medidas contra a Irmandade, detendo centenas de seus membros e instituindo um conjunto de reformas legais para sufocá-la. A constituição foi reescrita para estipular que nenhum tipo de atividade política poderia ser baseada na religião. Candidatos independentes foram proibidos de concorrer à presidência, e leis deram vastos poderes às forças de segurança para deter pessoas e desfazer reuniões políticas. Nas eleições parlamentares de novembro de 2010 (certamente manchadas por fraudes), 80% das cadeiras da Assembléia ficaram com o partido governista. A Irmandade não conseguiu um assento sequer.
Apoio e adesão - Sufocados por décadas de repressão, os grupos opositores possuem uma base popular restrita no Egito. Já a Irmandade Muçulmana, embora ilegal e com menos importância do que no passado, tem grande apoio entre as massas. Segundo Carrie Rosefsky Wickham, professora do departamento de Ciências Políticas da Universidade de Emory, em Atlanta, a aprovação popular do grupo estaria entre 20 e 40% - embora não existam dados oficiais que comprovem os números.
Em entrevista ao site de VEJA, o neto do fundador do movimento, Tariq Ramadan, afirma que a Irmandade não é um todo coeso. Ela abriga tradicionalistas da primeira geração, reformistas seduzidos pelo exemplo da revolução turca e radicais que desejam a imposição do islã pela violência. “Por trás da fachada de uma organização unificada e hierarquizada, existem linhas contraditórias, e não há um prognóstico fechado para o futuro do movimento”, diz ele.
Carrie e Ramadan concordam na avaliação de que a Irmandade não espera assumir o poder no curto prazo. "O repúdio à corrupção do regime de Mubarak era de fato um dos motores do movimento e, para se ver livre desse regime, a Irmandade buscará, ao menos num primeiro momento, partilhar o poder com outros grupos representativos da sociedade egípcia", diz Carrie. De acordo com Ramadan, as alas moderadas do movimento querem participar processo político e ter um papel no período de transição, mas sabem que não possuem representatividade suficiente para assumir o poder no momento
Confira a linha do tempo da Irmandade Muçulmana em http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/a-irmandade-muculmana

Texto II

‘É a vez do movimento liberal no Egito’, aposta escritor

Em livro publicado meses antes da queda de Mubarak, o egípcio Tarek Osman previu uma revolução com origem na classe média e liderada pelos jovens

Ao lançar o livro Egypt on the Brink: From Nasser to Mubarak (O Egito por um triz: De Nasser a Mubarak - tradução livre -, da editora da Univerdade de Yale, dos Estados Unidos), em novembro de 2010, o escritor egípcio Tarek Osman não imaginava que uma revolução forte o suficiente para derrubar o presidente Hosni Mubarak aconteceria tão rapidamente. Mas em suas pesquisas históricas encontrou pistas que previam que uma erupção popular estava prestes a ocorrer.

Evitando uma cronologia linear, Osman explora as principais transformações pelas quais o Egito passou desde a queda do rei Farouk, em 1952, passando pelos regimes de Gamal Abdel Nasser (novembro de 1954 - setembro de 1970), Anuar Sadat (outubro de 1970 - outubro de 1981) e Hosni Mubarak (outubro de 1981 - fevereiro de 2011). Dedicada a leigos, esta é uma das poucas obras que abrangem a história atual do Egito, depois que o glamour do país deu lugar à superpopulação e à pobreza.
O Egito tem atualmente mais de 80 milhões de habitantes, sendo que 30 milhões deles estão abaixo da linha de pobreza. O rápido crescimento populacional também explica o rejuvenescimento da população: o país conta com cerca de 45 milhões de jovens de menos de 30 anos. “Se não fossem os jovens, as demonstrações provavelmente não teriam acontecido nessa intensidade”, pontua o escritor, que estudou em universidades americana e italiana. Para ele, “o momento agora não é dos fundamentalistas, mas do movimento liberal no Egito".

Leia a seguir a entrevista com Tarek Osman na íntegra:

Há pistas na história do Egito que explicam os recentes protestos que derrubaram Mubarak?
Houve uma série de fatores que resultou nessa revolta, muitos deles são ligados a uma transformação na classe média. Na era Nasser, esse grupo contava, acomodado, com o apoio econômico de um governo assistencialista. Depois disso, com Sadat e Mubarak, o governo gradualmente começou a mudar sua estratégia econômica, abrindo espaço para a iniciativa privada. Isso levou naturalmente a uma grande transformação na qualidade de vida dos trabalhadores. Sem as garantias empregatícias do governo, setores tradicionais do grupo, como professores, médicos e engenheiros, começaram a sofrer problemas financeiros. Consequentemente, a legitimidade do regime também ficou abalada, reduzindo a tolerância das pessoas em relação àquela aparente democracia em que eles não tinham qualquer participação real.

No seu livro, o senhor dedica um capítulo inteiro aos jovens egípcios, que representam uma grande porcentagem da população do país e foram os protagonistas dos distúrbios. De que forma esse fator demográfico também colaborou para a queda do presidente? 
Eu diria que esse é o ponto mais importante. A população do país praticamente duplicou nos últimos 30 anos. Quando Mubarak chegou ao poder, em 1981, esse número não passava de 45 milhões de pessoas. Hoje, os egípcios já somam mais de 82 milhões, sendo que mais de 45 milhões deles são jovens - todos em busca de se beneficiar nessa transição socio-econômica. O ímpeto de mudanças de uma população tão jovem assim, somado à crescente pressão sobre a classe média e ao questionamento geral sobre a legitimidade do governo, resultou nas recentes revoltas, organizadas pelas redes sociais. Na minha opinião, se não fossem os jovens, as demonstrações provavelmente não teriam acontecido nessa intensidade.

Os opositores ao governo Mubarak sempre foram duramente reprimidos. Por que a população se sentiu forte o suficiente para manifestar com tanta força desta vez?
É importante destacar que não foi a oposição política do Egito, reprimida há décadas, que se movimentou para as manifestações. Quem iniciou a revolução foram cidadãos comuns, especialmente de setores da classe média, representados pelos jovens egípcios, e não por qualquer partido político. Há quem diga que o que impulsionou a revolta foram as eleições parlamentares de novembro de 2010, acusadas de terem sido fraudadas por Mubarak, mas eu acredito que o principal catalisador foi a pressão socio-econômica em cima da classe média, que precisava ser aliviada. 

Como foi a experiência de estar entre os egípcios no dia em que Mubarak renunciou?
Tive muita sorte de não precisar sair do país nas últimas cinco semanas. Foi um momento histórico, além de ter sido bastante inspirador. Principalmente pelo fato de aquelas milhares de pessoas representarem um número enorme de segmentos da sociedade - os manifestantes não estavam à frente de um único grupo ideológico. Acho que por isso a revolta foi tão poderosa a ponto de derrubar um regime.

Seu livro foi lançado em novembro de 2010. O senhor imaginou que uma revolta de tais proporções fosse estourar poucos meses depois?
Se eu dissesse que imaginava, estaria mentindo. Acho que muitas pessoas, inclusive eu, previram uma erupção no Egito, com origem na classe média e liderada pelos jovens. Para mim, isso certamente estava prestes a acontecer, mas quando, exatamente, era difícil de se prever. É certo que a idade de Mubarak estava em nossos pensamentos - ele fará 84 anos -, além dos fatores que já mencionei. Diante de qualquer fraqueza no sistema, certamente se iniciaria uma revolta. O que podemos dizer é que a Tunísia e as últimas eleições parlamentares abriram as portas para essa erupção acontecer.

De que forma a era Mubarak se diferencia das outras passadas, de Nasser e Sadat, em termos democráticos e de participação da oposição? 
O regime foi muito mais aberto economicamente do que o de Nasser, o que foi necessário com o rápido crescimento da população. Pela primeira vez em toda a história, o setor privado no Egito se tornou o maior empregador dos egípcios. Até então, era somente o setor público que empregava. Com isso, as pessoas se tornaram economicamente independentes do regime e, consequentemente, aptas a escutar suas próprias reclamações e a se opor ao governo. O estabilishment que sempre colocou os militares no topo, embora ainda exista, cedeu espaço nos últimos 10 anos também para grandes financiadores, numa sociedade cada vez mais capitalista, o que colaborou para o enfraquecimento do regime. 

O senhor acredita que o Exército cumprirá com suas promessas na transição para a democracia? 
O Conselho Superior das Forças Armadas repetiu três vezes publicamente que vai garantir eleições livres e democráticas. Além disso, os militares têm um enorme respeito em relação aos egípcios. Eles ganharam até mais respeito nas últimas três semanas, pois quase não intervieram nas manifestações e não se opuseram à população. Acho improvável que eles façam algo que abale esse respeito que conquistaram. Se a classe média, especialmente os jovens egípcios, tem um ímpeto para mudanças, com o apoio de outros muitos milhões de pessoas, não acredito que o Exército se oponha a essas aspirações.

No seu livro, o senhor escreve bastante sobre religião. O quão importante ela é para a política no Egito? 
É extremamente importante. Nas últimas décadas, uma série de sectarismos surgiu no Egito. Essas divisões se intensificaram nos últimos dez anos, resultando em violentos confrontos entre segmentos religiosos no país. No primeiro dia de 2011, por exemplo, dezenas de cristãos morreram em Alexandria, em um atentado. Com isso, a sociedade egípcia ficou amedrontada, depois de muitos anos de paz entre cristãos e islâmicos. A classe média, especialmente, por causa das tensões, se tornou mais adepta da retórica nacionalista, deixando de lado a islâmica. Apesar de a Irmandade Muçulmana continuar sendo o maior movimento opositor no país, é importante ressaltar que a revolta que vimos nas últimas semanas foi impulsionada por um nacionalismo secular, e não pelo idealismo islâmico. 

A Irmandade Muçulmana, embora garanta que não apresentará um candidato à Presidência, já anunciou a criação de um partido político após as reformas na Constituição. Quais são as aspirações do movimento, em sua opinião?
O grupo foi por muitos anos o mais organizado e poderoso da oposição egípcia. O fato de que querer formar um partido político era previsível. Porém, a Irmandade Muçulmana não é um grupo coerente e homogêneo, há uma série de divisões dentro dele, e a atitude de cada um é diferente. Da mesma forma em que existem os conservadores, há também milhares de seguidores jovens. Nas eleições de novembro de 2010, essas tensões internas ficaram muito claras. O momento agora, como disse, não é dos fundamentalistas, mas do movimento liberal no Egito.

Existe a possibilidade de o Egito se tornar uma ditadura islâmica como o Irã?
No futuro, vamos ter um partido que represente a Irmandade Muçulmana e o Islã. Ele possivelmente terá uma forte representatividade no Parlamento, mas isso não significa que vai eleger um presidente ou ter um de seus membros como uma poderosa autoridade do país. Atualmente, já se vê muitos outros partidos políticos emergindo, especialmente do movimento liberal. Como o panorama político agora é muito mais aberto e livre, eles poderão se organizar e criar uma concorrência que a Irmandade nunca teve.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

10 - Sociologia na sala de aula

Pessoal, segue uma reportagem da revista Veja (31 março 2010) sobre a introdução das disciplinas Sociologia e Filosofia nas escolas.

Os 8 milhões de estudantes brasileiros matriculados no ensino médio passaram a receber neste ano aulas de sociologia e filosofia - disciplinas que, por lei, se tornaram obrigatórias em escolas públicas e particulares. Com base nas diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Educação, cada estado fez o seu currículo, no qual a maioria dos colégios privados também se espelha em algum grau. A leitura atenta desse material traz à luz um festival de conceitos simplificados e de velhos chavões de esquerda que, os especialistas concordam, estão longe de se prestar ao essencial numa sala de aula: expandir o horizonte dos alunos. Não faltam exemplos de obscurantismo. Para se ter uma ideia, no Acre uma das metas do currículo de sociologia é ensinar os estudantes a produzir regimentos internos para sindicatos de trabalhadores - verdadeiro absurdo. Um dos explícitos objetivos das aulas em Goiás, por sua vez, é incrustar no aluno a ideia de que "a constante diminuição de cargos em empresas do mundo capitalista é um fator estrutural do sistema econômico" (visão pedestre que desconsidera o fato de que esse mesmo regime resultou em mais e melhores empregos no curso da história). Sem dar às questões a complexidade que elas merecem, as aulas abrangem de tudo: no Espírito Santo, por exemplo, a filosofia abarca da culinária capixaba aos ritmos indígenas. Conclui o sociólogo Simon Schwartzman: "Tratadas com superficialidade e viés ideológico, essas disciplinas só tendem a estreitar, no lugar de ampliar, a visão de mundo". [Não deixe de ler a crítica de Simon Schwartzman sobre o currículo de sociologia para o ensino médio no Rio de Janeiro]
O viés presente nas aulas de sociologia e filosofia tem suas raízes fincadas nas faculdades de ciências sociais - de onde saíram, ou a que ainda pertencem, os professores responsáveis pela confecção dos atuais currículos. Desde a década de 70, quando se firmaram como trincheiras de combate à ditadura militar nas universidades, tais cursos se ancoram no ideário marxista, à revelia da própria implosão do comunismo no mundo - e estão cada vez mais distantes do rigor e da complexidade do pensamento do alemão Karl Marx (1818-1883). Diz a doutora em ciências sociais Eunice Durham, da Universidade de São Paulo: "Boa parte dessas faculdades propaga apenas panfletos pseudomarxistas repletos de clichês e generalizações, sem se dar sequer ao trabalho de consultar o original". Isso se reflete agora, e de forma acentuada, nos currículos escolares de sociologia e filosofia, criticados até mesmo por quem participou da feitura deles. À frente da equipe que compôs os do Rio de Janeiro, a educadora Teresa Pontual, subsecretária estadual de Educação, chega a reconhecer: "Se criássemos diretrizes distantes demais da realidade dos professores, eles simplesmente não as aplicariam na sala de aula - fomos apenas realistas".
Sob a influência francesa, a sociologia e a filosofia começaram a ganhar espaço no ensino médio brasileiro no fim do século XIX, até se tornarem obrigatórias, ainda que com pequenas interrupções, entre 1925 e 1971. Seu retorno definitivo ao currículo, sacramentado por uma lei aprovada no Congresso dois anos atrás para entrar em vigor justamente agora, era um pleito antigo dos sindicatos dos profissionais dessas áreas. Em 2001, projeto de lei com o mesmo propósito havia passado pelo Congresso, só que acabou vetado pelo então presidente (e sociólogo) Fernando Henrique Cardoso. À época, um parecer do MEC afirmava que os gastos para os estados seriam altos demais e que não havia no país professores em número suficiente para atender à nova demanda. Desta vez, o próprio ministro Fernando Haddad, filósofo de formação, empenhou-se para aprovar o texto. Daqui para a frente, de acordo com um levantamento do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, serão recrutados mais 20000 professores no país inteiro. Trata-se de algo temerário, segundo alerta o sociólogo Bolívar Lamounier: "Não há tanta gente qualificada para desempenhar tal função no Brasil". A experiência recente das próprias escolas já sinaliza isso. "Está sendo duríssimo achar professores dessas áreas que sejam desprovidos da visão ideológica", conta Sílvio Barini, diretor do São Domingos, colégio particular de São Paulo.
Ao obrigar as escolas a ensinar sociologia e filosofia a todos os alunos, o Brasil se junta à maioria dos países da América Latina - e se distancia dos mais avançados em sala de aula, que oferecem essas disciplinas apenas como eletivas. Deixá-las de fora da grade fixa é uma decisão que se baseia no que a experiência já provou. Resume o economista Claudio de Moura Castro, articulista de VEJA e especialista em educação: "Os países mais desenvolvidos já entenderam há muito tempo que é absolutamente irreal esperar que todos os estudantes de ensino médio alcancem a complexidade mínima dos temas da sociologia ou da filosofia - ainda mais num país em que os alunos acumulam tantas deficiências básicas, como o Brasil". Em outros países da América Latina, esse tipo de iniciativa também costuma resvalar em aulas contaminadas pela ideologia de esquerda, preponderante nas escolas. Não será desse jeito que o Brasil dará o necessário passo rumo à excelência.

9 - Livro: Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil

Pessoal, na postagem 2, indico alguns livros de História. Entre eles o Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, de Leandro Narloch. Achei um texto escrito pelo próprio Narloch em que ele descreve o seu livro. Segue abaixo:

Lancei recentemente pela editora Leya o livro Guia Politicamente Incorreto da Históriado Brasil, uma reunião de informações esquecidas e episódios irritantes e desagradáveis a quem se considera vítima de "grandes potências", "exploradores" e "imperialistas". Deixo para os leitores do MSM alguns exemplos.

Zumbi tinha escravos
Nos anos 70, os historiadores marxistas projetaram no Quilombo de Palmares tudo o que imaginavam de sagrado para uma sociedade comunista: igualdade, relações de trabalho pacíficas e comida para todos. Sabe-se hoje que o quilombo do século 17 estava mais para um reino africano daquela época que para uma sociedade de moldes que surgiram mais de um século depois. Zumbi provavelmente descendia de imbangalas, os "senhores da guerra" da África Centro-Ocidental. Guerreiros temidos, eles habitavam vilarejos fortificados, de onde partiam para saques e sequestros dos camponeses de regiões próximas. Durante o ataque a comunidades vizinhas, recrutavam garotos, que depois transformariam em guerreiros, e adultos para trocar por ferramentas e armas. Esse modo de vida é bem parecido ao descrito por quem conheceu o Quilombo dos Palmares. "Quando alguns negros fugiam, mandava-lhes crioulos no encalço e uma vez pegados, eram mortos, de sorte que entre eles reinava o temor", afirma o capitão holandês João Blaer.

Décio Freitas inventou dados sobre Zumbi
Os historiadores marxistas que engrandeceram Zumbi tinham um problema: não há sequer um documento dando detalhes da personalidade ou da biografia do líder negro. Para resolver esse obstáculo, Décio Freitas mentiu sem culpa. No livroPalmares: A Guerra dos Escravos, Décio afirma ter encontrado cartas mostrando que o herói cresceu num convento de Alagoas, onde recebeu o nome de Francisco e aprendeu a falar latim e português. Aos 15 anos, atendendo ao chamado do seu povo, teria partido para o quilombo. As cartas sobre a infância de Zumbi teriam sido enviadas pelo padre Antônio Melo, da vila alagoana de Porto Calvo, para um padre de Portugal, onde Décio as teria encontrado. Ele nunca mostrou as mensagens para os historiadores que insistiram em ver o material. A mesma suspeita recai sobre outro livro seu,O Maior Crime da Terra. O historiador gaúcho Claudio Pereira Elmir procurou por cinco anos algum vestígio dos registros policiais que Décio cita. Não encontrou nenhum.

Quem mais matou índios foram os índios
Nas bandeiras ao interior do Brasil, geralmente apontadas como a maior causa de morte da população indígena depois das epidemias, havia no mínimo duas vezes mais índios - normalmente dez vezes mais. Sobre a mais mortífera delas, a que o bandeirante Raposo Tavares empreendeu até as aldeias jesuíticas de Guaíra, os relatos apontam para uma bandeira formada por 900 paulistas e 2 mil índios tupis. "No entanto, nestas versões, o total de paulistas parece exagerado, uma vez que é possível identificar apenas 119 participantes em outras fontes", escreveu o historiador John Manuel Monteiro no livroNegros da Terra. Cogita-se até que o modelo militar das bandeiras seja resultado mais da influência indígena que europeia. "É difícil evitar a impressão, por exemplo, de que as bandeiras representavam uma predileção tupi por aventuras militares", afirma o historiador Warren Dean.

Os portugueses ensinaram os índios a preservar a floresta
Apesar de muitos líderes indígenas de hoje afirmarem que o "homem branco" destruiu a floresta enquanto eles tentavam protegê-la, esse discurso politicamente correto não nasceu com eles. Nasceu com os europeus logo nas primeiras décadas após a conquista. Os portugueses criaram leis ambientais para o território brasileiro já no século 16. As ordenações do rei Manuel I (1469-1521) proibiam o corte de árvores frutíferas em Portugal e em todas as colônias. No Brasil, essa lei protegeu centenas de espécies nativas. Em 1605, o Regimento do Pau-Brasil estabeleceu punições para os madeireiros que derrubassem mais árvores do que o previsto na licença. Conforme a quantidade de madeira cortada ilegalmente, o explorador poderia ser condenado à pena de morte.

João Goulart favorecia empreiteiras
A informação vem do próprio Samuel Wainer, no livroMinha Razão de Viver. De acordo com o jornalista, então diretor do Última Hora e um dos principais aliados do presidente, o esquema da época era aquele famoso tipo de corrupção que hoje motiva escândalos. "Quando se anunciava alguma obra pública, o que valia não era a concorrência - todas as concorrências vinham com cartas marcadas, funcionavam como mera fachada", escreveu Wainer. O que tinha valor era a combinação feita entre homens do governo e das empresas por trás das cortinas. "Naturalmente, as empresas beneficiadas retribuíam com generosas doações, sempre clandestinas, à boa vontade do governo."

Os guerrilheiros comunistas não lutavam por liberdade
De dezoito estatutos e documentos escritos por organizações de luta armada nos anos 1960 e 1970, catorze descrevem o objetivo de criar um sistema de partido único e erguer uma ditadura similar aos regimes comunistas que existiam na China e em Cuba. A Ação Popular, por exemplo, defendia com todas as letras "substituir a ditadura da burguesia pela ditadura do proletariado".

Leandro Narloch é jornalista.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

8 - Introdução ao estudo da Idade Antiga

Pessoal, segue um texto das aulas sobre as primeiras civilizações.

1. Introdução ao estudo da Antiguidade

1.1 Conceitos básicos

Estado e governo

No sentido político, o termo estado pode ser utilizado de duas formas principais. A primeira é estado entendido como uma divisão político-territorial de um país. Por exemplo, no Brasil quando falamos em estado de Minas Gerais ou estado de Goiás. Nesse caso, estado costuma ser sinônimo de província.

Na segunda forma, Estado (em geral, mas não necessariamente, com “E” maiúsculo) é a organização política de uma sociedade complexa, quer dizer, de uma comunidade hierarquizada e dividida em grupos sociais diferenciados e desiguais. O Estado é constituído por um conjunto de instituições administrativas, militares, jurídicas e, em muitos casos, religiosas (como nas sociedades tradicionais pré-modernas). As instituições do Estado são ocupadas por funcionários especializados (a burocracia, hoje também chamada de “servidores públicos”), subordinados a um poder central que exerce sua autoridade sobre um povo dentro de um território. Esse poder central é exercido por um governo: o conjunto de pessoas que dirigem o Estado (os dirigentes ou governantes) em nome de sua população ou de uma divindade. A supremacia que os dirigentes do Estado reivindicam sobre o povo de seu território baseia-se no monopólio do uso da força (só o Estado tem o direito de prender, julgar, punir e matar), reconhecido pela lei, tradição ou costume, legitimado por uma ideologia religiosa (quando o Estado é visto como representante de uma divindade ou de uma ordem divina) ou por uma doutrina política secular (quando o Estado é visto como representante dos interesses coletivos da nação, do povo ou de uma classe).

O Estado possui três outras características fundamentais, presentes desde seu aparecimento, que em princípio são contraditórias:

(I) O Estado representa alguns interesses gerais da sociedade, como o de árbitro dos conflitos entre os indivíduos (a justiça) e de encarregado da defesa coletiva (a segurança);

(II) por conservar a ordem vigente (o status quo), o Estado acaba mantendo e reproduzindo alguns interesses dos grupos sociais dominantes, como seus privilégios, propriedades e poder sobre outros grupos;

(III) o Estado pode adquirir certa autonomia, principalmente nas sociedades com regimes autoritários e uma burocracia numerosa, que desenvolve interesses particulares e independentes de qualquer classe social.

De uma forma geral, quanto a sua extensão territorial e composição étnica, os Estados podem ser de três tipos: a cidade-Estado, o Estado territorial e o Estado imperial.

Micro-Estado ou Cidade-Estado. É o Estado que controla um pequeno território, muitas vezes constituído por uma única cidade e suas terras agrícolas (“cidade independente”). Em geral, a cidade-estado é parte de uma cultura ou civilização de cidades-estados: um país ou povo com mesma língua e religião dividido politicamente em diversas cidades-estados. Exemplos na Antiguidade: as cidades-estados da Suméria, Fenícia, Grécia e Itália. 

Macro-Estado étnico ou nacional. É um Estado centralizado que unificou politicamente um país ou povo até então dividido em unidades políticas menores (cidades-estados, tribos). Exemplos na Antiguidade: Egito, Pérsia e Roma (no território do Lácio ou dos latinos, na Itália no século IV aC).

Macro-Estado imperial ou império. É o Estado controlado por uma etnia que domina um amplo território constituído por diversos povos com línguas e culturas diferentes daquelas da etnia dominante e que foram conquistados por ela. De uma maneira geral, quanto mais duradouro for um império, maiores são as possibilidades da língua e cultura da etnia dominante ser adotada pelos povos dominados. Por outro lado, a cultura dos povos subjugados pode influenciar os hábitos e costumes da etnia dominadora. Exemplos na Antiguidade: Império Persa, Império Greco-Macedônio, Império Cartaginês e Império Romano.

Estratificação social

Divisão da sociedade em grupos ou estratos sociais diferenciados em termos de riqueza ou poder. A diferenciação social mais famosa é a econômica (distribuição desigual de bens ou de propriedade), mas ela também ocorre em termos de sexo, idade, função ou religião. As principais modalidades de estratificação social são as de classe, estamento e casta.

Classe social. As classes sociais são determinadas pela propriedade (absoluta ou privada, parcial ou condicional) dos recursos econômicos e correspondem à posição que os indivíduos ocupam na estrutura econômica da sociedade. Na sua concepção mais usual, as classes sociais são divididas em duas categorias básicas: as classes dominantes e as classes dominadas. A classe dominante é a elite econômica que possui as principais riquezas. Teoricamente, o seu poder econômico lhe assegura maior influência política. Na verdade, embora em muitas sociedades setores da classe dominante constituam a camada dirigente (o grupo governante que controla o Estado), isso nem sempre acontece, sobretudo nas sociedades mais complexas onde existe uma grande burocracia (servidores ou funcionários públicos) e/ou maior participação popular na política. Por sua vez, a classe dominada é o grupo social que não possui as riquezas (ou as possui parcialmente) e está submetido ao poder econômico da classe dominante, para quem, em geral, ela trabalha de acordo com determinadas relações sociais de produção. Tanto a classe dominante quanto a classe dominada estão divididas em diversos segmentos de acordo com o setor econômico (primário, secundário e terciário) e profissão.

Estamentos ou ordens. Grupos sociais determinados por critérios jurídicos, políticos, religiosos, étnicos ou raciais – direitos, obrigações, privilégios e funções reconhecidos pela lei, tradições e ideologia – e não por critérios econômicos. Como isso implica em assegurar vantagens legais, prestígio e poder a determinados estamentos, e na submissão e exploração de outros, na prática muitas vezes a divisão estamental resulta na reprodução de uma diferenciação econômica (de classes), que pode ser camuflada ou confirmada pelos direitos e obrigações de cada grupo social ou indivíduo. A sociedade estamental possui pouca mobilidade social, mas não é totalmente imóvel. Os exemplos mais famosos de divisão estamental são os de nobres (aristocracia) e não-nobres, de livres e não-livres (escravos, servos) e de cidadãos e não-cidadãos.

Casta. Grupo social fechado de caráter hereditário, quer dizer, cuja posição é determinada no nascimento e não pode ser alterada.

Trabalho compulsório, escravidão e servidão 

Trabalho compulsório é o trabalho forçado ou involuntário, uma relação social em que o trabalhador é forçado pela lei e pela violência física a trabalhar para alguém. Isso significa que ele está submetido à coerção político-jurídica ou extra-econômica, quer dizer, ele é forçado a trabalhar por motivos não-econômicos. Nas palavras de Ciro F. Cardoso, seguindo W. Kloosterboer, o trabalho compulsório é “aquele trabalho para o qual o trabalhador tiver sido recrutado sem seu consentimento voluntário; e/ou do qual não se puder retirar se assim o desejar, sem ficar sujeito à possibilidade de uma punição” (Cardoso, 1984: 18). O trabalho compulsório pode ser classificado em duas categorias genéricas – servidão e escravidão – subdivididas em diversos tipos particulares.

Servidão. Na servidão, o trabalhador compulsório (o servo) é um camponês semilivre que possuí família, direito de usufruto da terra, instrumentos de trabalho e animais. O servo vive, geralmente, em aldeias com outras famílias de servos, trabalhando para a sua subsistência e praticando uma agricultura combinada com o artesanato doméstico. Mas ele também é obrigado a produzir excedentes, fornecidos na forma de tributos, e a prestar serviços gratuitos para um senhor, seja ele um indivíduo ou o Estado. O servo costuma ser associado ao feudalismo medieval, mas formas de servidão chegaram a predominar em algumas sociedades antigas.

Escravidão. Na escravidão, o trabalhador compulsório (o escravo) é um indivíduo que pertence a outra pessoa ou ao Estado, sendo considerado uma propriedade do seu dono e tratado como objeto e mercadoria. Em geral, os escravos eram obtidos em guerras, por dívidas ou venda dos filhos pelos pais de famílias miseráveis

Cultura

Essencialmente falando, cultura são as características não-biológicas da sociedade, criadas e transmitidas coletivamente. Nesse sentido, podemos falar em cultura material (utensílios, construções, vestimentas, ferramentas, armas) e em cultura imaterial (conhecimento, mentalidades, crenças, moral, leis, costumes). A cultura, portanto, envolve todas as criações humanas. Ela é o elemento mais importante na definição do homem (animal ou ser que possui e cria cultura), sendo igualmente fundamental na identificação dos grupos sociais e das sociedades, por envolver estilos de vida, práticas, significados e valores comuns a diferentes comunidades.

Com efeito, a cultura de uma sociedade complexa, dividida em grupos sociais diferenciados, é caracterizada pela diversidade, e costuma ser classificada em três segmentos principais:

cultura geral ou comum, compartilhada por todos os membros da sociedade, independente de sua posição social;

cultura erudita ou elitista dos grupos dominantes;

cultura popular dos trabalhadores e grupos subalternos.
A separação entre a cultura erudita e a cultura popular nem sempre é rigorosa. Em alguns casos, os grupos dominantes impõem seus valores aos grupos dominados, mas em outros ocorre o oposto: elementos culturais de origem popular podem ser absorvidos pelas elites e influenciar sua cultura.

Civilização

Civilização no conceito arqueológico

No sentido arqueológico, civilização é uma sociedade estratificada com cidades, arquitetura monumental, comércio, religião organizada, Estado e, em geral, escrita. Nessa visão, a civilização também é chamada de sociedade de Estado.

Seguindo essa interpretação, as civilizações podem ser classificadas de diversas maneiras. Por exemplo, elas podem ser divididas em dois tipos bem genéricos: as civilizações agrárias ou tradicionais e as civilizações industriais.

Civilização agrária. Também chamada de sociedade tradicional. É uma sociedade complexa onde a agricultura é a principal atividade econômica, a maioria da população vive no meio rural e sua cultura é altamente religiosa (a religião é a principal fonte de conhecimento e é utilizada para justificar o poder político e, em muitos casos, a estratificação social). As civilizações agrárias possuem cidades, que são os centros políticos, comerciais e culturais, mas a maior parte das riquezas vem do campo e a maioria dos trabalhadores é constituída por camponeses. Elas foram sociedades típicas de todas as civilizações do mundo na Idade Antiga, na Idade Média, na Idade Moderna e em parte da Idade Contemporânea até o advento da Revolução Industrial (daí serem chamadas também de sociedades pré-industriais).

Civilização industrial. O mesmo que sociedade moderna ou modernidade. É a sociedade industrial (a indústria da maquinofatura e os serviços associados a ela são as principais atividades econômicas), urbana (no sentido de que a maioria da população vive nas cidades) e secular ou laica (o conhecimento, as idéias políticas, o Estado e a estrutura social são baseadas em critérios não-religiosos). A religião não desapareceu das sociedades modernas, mas sofreu um declínio e deixou de possuir um papel central na política, no ensino, nos hábitos e, em grande medida, na moralidade. A sociedade moderna nasceu com a Revolução Industrial e a adoção das idéias do Iluminismo (defesa do racionalismo e crença no progresso criado conscientemente pelo homem) a partir do final do século XVIII, associados ao desenvolvimento do cientificismo (idéia de que o único conhecimento correto é o científico).

Civilização no conceito cultural

No sentido cultural, civilização é um conjunto de países, povos ou comunidades que, apesar de separadas politicamente e, muitas vezes, linguisticamente, compartilham uma cultura básica comum fundamentada, principalmente, na religião, em valores, normas e instituições. Esses elementos combinados criam uma identidade cultural geral distinta da cultura geral de outras civilizações. Segundo essa interpretação, o núcleo de uma civilização é formado pelos seus países mais ricos e poderosos – os Estados-núcleos. É nesse sentido que se fala em civilização clássica grega e romana, civilização islâmica, civilização chinesa e civilização hinduísta, entre diversas outras. Uma civilização pode ficar restrita a um determinado período da história (como a romana na Antiguidade) ou pode continuar por períodos diferentes, embora com suas estruturas econômicas, sociais e políticas alteradas (como a civilização chinesa ou a civilização islâmica).

Civilização ocidental. No sentido cultural, civilização ocidental é o mesmo que Ocidente. A civilização ocidental é constituída pela Europa (onde essa civilização se formou na Idade Média) e os países de intenso povoamento europeu da América e da Oceania, com o predomínio da cultura baseada na fusão das tradições greco-romanas, judaico-cristãs e germânicas. Com efeito, os principais elementos culturais comuns da civilização ocidental são o legado clássico (filosofia e racionalismo gregos, o Direito romano, o conceito de cidadania), o cristianismo, a tradição de corpos representativos (parlamento) e o individualismo.


BIBLIOGRAFIA

Cardoso, Ciro F. 
Trabalho Compulsório na Antiguidade. Rio de Janeiro, Graal, 1984

Renfrew, Colin e Bahn, Paul. 
Archaeology: Theories, Methods and Practice. 
Nova York, Thames and Hudson, 1991.