terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

8 - Introdução ao estudo da Idade Antiga

Pessoal, segue um texto das aulas sobre as primeiras civilizações.

1. Introdução ao estudo da Antiguidade

1.1 Conceitos básicos

Estado e governo

No sentido político, o termo estado pode ser utilizado de duas formas principais. A primeira é estado entendido como uma divisão político-territorial de um país. Por exemplo, no Brasil quando falamos em estado de Minas Gerais ou estado de Goiás. Nesse caso, estado costuma ser sinônimo de província.

Na segunda forma, Estado (em geral, mas não necessariamente, com “E” maiúsculo) é a organização política de uma sociedade complexa, quer dizer, de uma comunidade hierarquizada e dividida em grupos sociais diferenciados e desiguais. O Estado é constituído por um conjunto de instituições administrativas, militares, jurídicas e, em muitos casos, religiosas (como nas sociedades tradicionais pré-modernas). As instituições do Estado são ocupadas por funcionários especializados (a burocracia, hoje também chamada de “servidores públicos”), subordinados a um poder central que exerce sua autoridade sobre um povo dentro de um território. Esse poder central é exercido por um governo: o conjunto de pessoas que dirigem o Estado (os dirigentes ou governantes) em nome de sua população ou de uma divindade. A supremacia que os dirigentes do Estado reivindicam sobre o povo de seu território baseia-se no monopólio do uso da força (só o Estado tem o direito de prender, julgar, punir e matar), reconhecido pela lei, tradição ou costume, legitimado por uma ideologia religiosa (quando o Estado é visto como representante de uma divindade ou de uma ordem divina) ou por uma doutrina política secular (quando o Estado é visto como representante dos interesses coletivos da nação, do povo ou de uma classe).

O Estado possui três outras características fundamentais, presentes desde seu aparecimento, que em princípio são contraditórias:

(I) O Estado representa alguns interesses gerais da sociedade, como o de árbitro dos conflitos entre os indivíduos (a justiça) e de encarregado da defesa coletiva (a segurança);

(II) por conservar a ordem vigente (o status quo), o Estado acaba mantendo e reproduzindo alguns interesses dos grupos sociais dominantes, como seus privilégios, propriedades e poder sobre outros grupos;

(III) o Estado pode adquirir certa autonomia, principalmente nas sociedades com regimes autoritários e uma burocracia numerosa, que desenvolve interesses particulares e independentes de qualquer classe social.

De uma forma geral, quanto a sua extensão territorial e composição étnica, os Estados podem ser de três tipos: a cidade-Estado, o Estado territorial e o Estado imperial.

Micro-Estado ou Cidade-Estado. É o Estado que controla um pequeno território, muitas vezes constituído por uma única cidade e suas terras agrícolas (“cidade independente”). Em geral, a cidade-estado é parte de uma cultura ou civilização de cidades-estados: um país ou povo com mesma língua e religião dividido politicamente em diversas cidades-estados. Exemplos na Antiguidade: as cidades-estados da Suméria, Fenícia, Grécia e Itália. 

Macro-Estado étnico ou nacional. É um Estado centralizado que unificou politicamente um país ou povo até então dividido em unidades políticas menores (cidades-estados, tribos). Exemplos na Antiguidade: Egito, Pérsia e Roma (no território do Lácio ou dos latinos, na Itália no século IV aC).

Macro-Estado imperial ou império. É o Estado controlado por uma etnia que domina um amplo território constituído por diversos povos com línguas e culturas diferentes daquelas da etnia dominante e que foram conquistados por ela. De uma maneira geral, quanto mais duradouro for um império, maiores são as possibilidades da língua e cultura da etnia dominante ser adotada pelos povos dominados. Por outro lado, a cultura dos povos subjugados pode influenciar os hábitos e costumes da etnia dominadora. Exemplos na Antiguidade: Império Persa, Império Greco-Macedônio, Império Cartaginês e Império Romano.

Estratificação social

Divisão da sociedade em grupos ou estratos sociais diferenciados em termos de riqueza ou poder. A diferenciação social mais famosa é a econômica (distribuição desigual de bens ou de propriedade), mas ela também ocorre em termos de sexo, idade, função ou religião. As principais modalidades de estratificação social são as de classe, estamento e casta.

Classe social. As classes sociais são determinadas pela propriedade (absoluta ou privada, parcial ou condicional) dos recursos econômicos e correspondem à posição que os indivíduos ocupam na estrutura econômica da sociedade. Na sua concepção mais usual, as classes sociais são divididas em duas categorias básicas: as classes dominantes e as classes dominadas. A classe dominante é a elite econômica que possui as principais riquezas. Teoricamente, o seu poder econômico lhe assegura maior influência política. Na verdade, embora em muitas sociedades setores da classe dominante constituam a camada dirigente (o grupo governante que controla o Estado), isso nem sempre acontece, sobretudo nas sociedades mais complexas onde existe uma grande burocracia (servidores ou funcionários públicos) e/ou maior participação popular na política. Por sua vez, a classe dominada é o grupo social que não possui as riquezas (ou as possui parcialmente) e está submetido ao poder econômico da classe dominante, para quem, em geral, ela trabalha de acordo com determinadas relações sociais de produção. Tanto a classe dominante quanto a classe dominada estão divididas em diversos segmentos de acordo com o setor econômico (primário, secundário e terciário) e profissão.

Estamentos ou ordens. Grupos sociais determinados por critérios jurídicos, políticos, religiosos, étnicos ou raciais – direitos, obrigações, privilégios e funções reconhecidos pela lei, tradições e ideologia – e não por critérios econômicos. Como isso implica em assegurar vantagens legais, prestígio e poder a determinados estamentos, e na submissão e exploração de outros, na prática muitas vezes a divisão estamental resulta na reprodução de uma diferenciação econômica (de classes), que pode ser camuflada ou confirmada pelos direitos e obrigações de cada grupo social ou indivíduo. A sociedade estamental possui pouca mobilidade social, mas não é totalmente imóvel. Os exemplos mais famosos de divisão estamental são os de nobres (aristocracia) e não-nobres, de livres e não-livres (escravos, servos) e de cidadãos e não-cidadãos.

Casta. Grupo social fechado de caráter hereditário, quer dizer, cuja posição é determinada no nascimento e não pode ser alterada.

Trabalho compulsório, escravidão e servidão 

Trabalho compulsório é o trabalho forçado ou involuntário, uma relação social em que o trabalhador é forçado pela lei e pela violência física a trabalhar para alguém. Isso significa que ele está submetido à coerção político-jurídica ou extra-econômica, quer dizer, ele é forçado a trabalhar por motivos não-econômicos. Nas palavras de Ciro F. Cardoso, seguindo W. Kloosterboer, o trabalho compulsório é “aquele trabalho para o qual o trabalhador tiver sido recrutado sem seu consentimento voluntário; e/ou do qual não se puder retirar se assim o desejar, sem ficar sujeito à possibilidade de uma punição” (Cardoso, 1984: 18). O trabalho compulsório pode ser classificado em duas categorias genéricas – servidão e escravidão – subdivididas em diversos tipos particulares.

Servidão. Na servidão, o trabalhador compulsório (o servo) é um camponês semilivre que possuí família, direito de usufruto da terra, instrumentos de trabalho e animais. O servo vive, geralmente, em aldeias com outras famílias de servos, trabalhando para a sua subsistência e praticando uma agricultura combinada com o artesanato doméstico. Mas ele também é obrigado a produzir excedentes, fornecidos na forma de tributos, e a prestar serviços gratuitos para um senhor, seja ele um indivíduo ou o Estado. O servo costuma ser associado ao feudalismo medieval, mas formas de servidão chegaram a predominar em algumas sociedades antigas.

Escravidão. Na escravidão, o trabalhador compulsório (o escravo) é um indivíduo que pertence a outra pessoa ou ao Estado, sendo considerado uma propriedade do seu dono e tratado como objeto e mercadoria. Em geral, os escravos eram obtidos em guerras, por dívidas ou venda dos filhos pelos pais de famílias miseráveis

Cultura

Essencialmente falando, cultura são as características não-biológicas da sociedade, criadas e transmitidas coletivamente. Nesse sentido, podemos falar em cultura material (utensílios, construções, vestimentas, ferramentas, armas) e em cultura imaterial (conhecimento, mentalidades, crenças, moral, leis, costumes). A cultura, portanto, envolve todas as criações humanas. Ela é o elemento mais importante na definição do homem (animal ou ser que possui e cria cultura), sendo igualmente fundamental na identificação dos grupos sociais e das sociedades, por envolver estilos de vida, práticas, significados e valores comuns a diferentes comunidades.

Com efeito, a cultura de uma sociedade complexa, dividida em grupos sociais diferenciados, é caracterizada pela diversidade, e costuma ser classificada em três segmentos principais:

cultura geral ou comum, compartilhada por todos os membros da sociedade, independente de sua posição social;

cultura erudita ou elitista dos grupos dominantes;

cultura popular dos trabalhadores e grupos subalternos.
A separação entre a cultura erudita e a cultura popular nem sempre é rigorosa. Em alguns casos, os grupos dominantes impõem seus valores aos grupos dominados, mas em outros ocorre o oposto: elementos culturais de origem popular podem ser absorvidos pelas elites e influenciar sua cultura.

Civilização

Civilização no conceito arqueológico

No sentido arqueológico, civilização é uma sociedade estratificada com cidades, arquitetura monumental, comércio, religião organizada, Estado e, em geral, escrita. Nessa visão, a civilização também é chamada de sociedade de Estado.

Seguindo essa interpretação, as civilizações podem ser classificadas de diversas maneiras. Por exemplo, elas podem ser divididas em dois tipos bem genéricos: as civilizações agrárias ou tradicionais e as civilizações industriais.

Civilização agrária. Também chamada de sociedade tradicional. É uma sociedade complexa onde a agricultura é a principal atividade econômica, a maioria da população vive no meio rural e sua cultura é altamente religiosa (a religião é a principal fonte de conhecimento e é utilizada para justificar o poder político e, em muitos casos, a estratificação social). As civilizações agrárias possuem cidades, que são os centros políticos, comerciais e culturais, mas a maior parte das riquezas vem do campo e a maioria dos trabalhadores é constituída por camponeses. Elas foram sociedades típicas de todas as civilizações do mundo na Idade Antiga, na Idade Média, na Idade Moderna e em parte da Idade Contemporânea até o advento da Revolução Industrial (daí serem chamadas também de sociedades pré-industriais).

Civilização industrial. O mesmo que sociedade moderna ou modernidade. É a sociedade industrial (a indústria da maquinofatura e os serviços associados a ela são as principais atividades econômicas), urbana (no sentido de que a maioria da população vive nas cidades) e secular ou laica (o conhecimento, as idéias políticas, o Estado e a estrutura social são baseadas em critérios não-religiosos). A religião não desapareceu das sociedades modernas, mas sofreu um declínio e deixou de possuir um papel central na política, no ensino, nos hábitos e, em grande medida, na moralidade. A sociedade moderna nasceu com a Revolução Industrial e a adoção das idéias do Iluminismo (defesa do racionalismo e crença no progresso criado conscientemente pelo homem) a partir do final do século XVIII, associados ao desenvolvimento do cientificismo (idéia de que o único conhecimento correto é o científico).

Civilização no conceito cultural

No sentido cultural, civilização é um conjunto de países, povos ou comunidades que, apesar de separadas politicamente e, muitas vezes, linguisticamente, compartilham uma cultura básica comum fundamentada, principalmente, na religião, em valores, normas e instituições. Esses elementos combinados criam uma identidade cultural geral distinta da cultura geral de outras civilizações. Segundo essa interpretação, o núcleo de uma civilização é formado pelos seus países mais ricos e poderosos – os Estados-núcleos. É nesse sentido que se fala em civilização clássica grega e romana, civilização islâmica, civilização chinesa e civilização hinduísta, entre diversas outras. Uma civilização pode ficar restrita a um determinado período da história (como a romana na Antiguidade) ou pode continuar por períodos diferentes, embora com suas estruturas econômicas, sociais e políticas alteradas (como a civilização chinesa ou a civilização islâmica).

Civilização ocidental. No sentido cultural, civilização ocidental é o mesmo que Ocidente. A civilização ocidental é constituída pela Europa (onde essa civilização se formou na Idade Média) e os países de intenso povoamento europeu da América e da Oceania, com o predomínio da cultura baseada na fusão das tradições greco-romanas, judaico-cristãs e germânicas. Com efeito, os principais elementos culturais comuns da civilização ocidental são o legado clássico (filosofia e racionalismo gregos, o Direito romano, o conceito de cidadania), o cristianismo, a tradição de corpos representativos (parlamento) e o individualismo.


BIBLIOGRAFIA

Cardoso, Ciro F. 
Trabalho Compulsório na Antiguidade. Rio de Janeiro, Graal, 1984

Renfrew, Colin e Bahn, Paul. 
Archaeology: Theories, Methods and Practice. 
Nova York, Thames and Hudson, 1991.


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